sexta-feira, 8 de abril de 2011

Uma chance para a paz no Afeganistão

(os EUA participam das conversações, mas sem poder de veto)

Syed Saleem Shahzad
8/4/2011, Syed Saleem Shahzad, Asia Times Online
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
  
Ver também
9/12/2010, Syed Saleem Shahzad
11/3/2011, Pepe Escobar
 7/4/2011, Syed Saleem Shahzad, 


ISLAMABAD. Asia Times Online, em investigações locais, descobriu que todas as operações anti-Talibã [1] estão suspensas em todas as províncias do sudoeste do Afeganistão (Kandahar, Zabul, Helmand e Uruzgan), território espiritual dos Talibã, e começa a ser implantado um processo internacional de reconciliação.

A notícia foi confirmada por várias fontes, entre as quais o ministro do Interior do Afeganistão e vários comandantes Talibã em Kandahar.

Um Talib veterano também confirmou a esse jornal, por telefone, de Kandahar, que, por efeito também dessa iniciativa e do processo de reconciliação internacional em curso, vários altos comandantes Talibã que continuavam presos pelo serviço secreto do Paquistão [ing. Inter-Services Intelligence (ISI)] foram libertados nessa 5ª-feira, entre os quais Mullah Mansoor Dadullah, comandante Talibã no sudoeste do Afeganistão.  Contatado por ATol, um porta-voz do ISI não confirmou a libertação dos comandantes Talibã.

Todos os atores internacionais e regionais concordaram e a Turquia deve hospedar a próxima rodada de conversações com os Talibã, a acontecer imediatamente, provavelmente no próximo mês. Diferente de outras rodadas de conversação, contudo, que envolveram poucos estados muçulmanos, entre os quais o Paquistão, a Arábia Saudita e os Emirados Árabes, dessa vez participarão todos os grandes players, inclusive EUA, Grã-Bretanha e Índia, também participarão do atual processo de reconciliação.

Alto funcionário afegão confirmou a esse jornal, pedindo que seu nome não fosse divulgado, que há planos para devolver a segurança do Afeganistão aos afegãos já em meados de 2011, e que as tropas estrangeiras só operarão nas seis províncias do norte e nordeste, ainda usando aviões-robôs não tripulados em ataques contra os guerrilheiros.

Mudança profunda 

“Não posso confirmar se os principais comandantes dos Talibã participarão ou não de conversações de paz, mas, sim, observei muito clara mudança em campo” – disse a ATol um veterano comandante Talibã, que pediu que seu nome não fosse divulgado, por telefone, de Kandahar, quando consultado sobre se confirmava ou não a participação dos Talibã no processo de reconciliação.

“Sei do que acontece em campo. Posso confirmar três coisas. Todos os anos, antes de abril, a OTAN [ing. NATO, North Atlantic Treaty Organization] realiza grande operação em Kandahar, Helmand, Urzgan e Zabul contra os santuários dos Talibã. Visam sempre locais onde suspeitam que haja Talibã, em áreas próximas das estradas principais e também para dispersar os grupos guerrilheiros. Esse ano a OTAN não apareceu, não houve nenhuma operação, o que muito me surpreender” – disse o comandante Talibã.

“Em segundo lugar, até há bem poucos meses, a estrada Kandahar-Chaman estava frequentemente engarrafada, por causa dos comboios [de suprimentos para a OTAN], combustível para os tanques, tanques e outras máquinas de guerra. Nos últimos dois meses tudo isso praticamente desapareceu. Tudo leva a crer que a OTAN parou de embarcar suprimentos para o campo de pouso em Kandahar.”

O comandante continuou: “Não posso confirmar, mas ouvi de várias fontes que o Paquistão libertou oito altos comandantes Talibã, inclusive Mansoor Dadullah [irmão do mártir Mullah Dadullah]. Não sei se o que está pensando o alto comando Talibã, mas não há dúvida de que o inimigo está tentando desesperadamente conseguir uma trégua com os Talibã.”

A situação, como se apresenta, indica que as capitais ocidentais afinal concordaram em seguir um mapa do caminho do qual se falou pela primeira vez entre os Talibã e os exércitos ocidentais em 2009, para dar início a um processo de reconciliação. 

Confirmando o novo processo de reconciliação com os Talibã, um alto funcionário do governo afegão informou a Asia Times Online que, em geral, há já um consenso sobre um mapa do caminho para enfrentar “a insurgência”.

Antes, o governo afegão tinha muitas reservas e não admitia que os Talibã operassem com escritório na Turquia, mas o Alto Conselho de Paz [corpo do governo afegão responsável por tentar construir conversações de paz com os Talibã] interveio e o professor Burhanuddin Rabbani, presidente da missão, disse que tem de have um ponto a partir do qual se possa iniciar processo confiável de paz. Agora, todo o governo afegão já concorda que o Talibã deve poder aparecer oficialmente e operar a partir de um escritório na Turquia” – disse aquele funcionário afegão.

“Então, a segurança será entregue ao exército e à polícia afegãos no sul do país, ainda em meados desse ano. Os Talibã também exigiriam que os soldados ocidentais sair de suas áreas. Mas as forças da OTAN continuarão a operar bases em seis provínciais –Pansher, Bamiyan, Kabul, Laghman, Kunduz e Mazar Sharif. Recuros hi-tech, como os aviões robôs, serão usados contra guerrilheiros nas províncias que fazem fronteira com o Paquistão” – disse ele.

A Índia entra na briga 

Aparentemente suavizando a posição contra a Índia, o Paquistão retirou a objeção a que New Delhi participe de uma reunião preparatória sobre segurança e reconstrução do Afeganistão a ser realizada em Ankara no próximo mês – noticiou o jornal indiano The Hindu.

“Consideramos os Talibã como próxima força no governo afegão e, assim, queremos abrir canal de comunicação com os Talibã, para que o Afeganistão não venha a ser usado contra a Índia no futuro, como aconteceu no passado” – disse em fevereiro a Asia Times Online um alto funcionário da segurança indiana.

Isso significa que, desde 2009, o governo indiano já mobilizara seus quadros no Afeganistão para abrir linhas de comunicação com os Talibã.

A Índia procurou assistência de figuras influentes, apesar de não ter acesso direto aos comandantes Talibã, como o ex-embaixador dos Talibã no Paquistão, Mullah Abdul Salam Zaeef, e o ex-ministro do Exterior dos Talibã, Moulvi Abdul Wakeel Muttawakil. Nos dois contatos os resultados foram positivos.

“Eles [os Talibã] não apoiam ninguém contra a Índia. O Afeganistão é fraco, tem de ser neutro. Índia e Paquistão não são diferentes de nós” – Zaeef disse à mídia indiana, pela CNN-IBN, em março de 2010.

Os comentários de Zaeef, que vive sob liberdade vigiada em Kabul, incomodou alguns Talibã no sudoeste do Afeganistão. Apesar do apoio do Paquistão à guerra dos EUA no Afeganistão, os Talibã veem o Paquistão como aliado natural, como estado de maioria muçulmana. Eu mesmo, como jornalista correspondente, fui chamado, em março de 2010, para responder às declarações de Zaeef e anunciar que nada tinham a ver com os Talibã. Afinal, dadas as relações entre Zaeef e os Talibã no sudeste do Afeganistão, os indianos conseguiram aprovar a declaração de Zaeef em favor da Índia.

Zabiullah Mujahid, porta-voz oficial dos Talibã, fez declaração à imprensa dia 30/3/2010, em que disse que “É possível que os Talibã e a Índia reconciliem-se. Os Talibã reclamam de a Índia ter apoiado a Aliança do Norte [contra os Talibã] e de, agora, apoiar o governo de Karzai. (...) Mas o Talibã jamais participou de qualquer ataque contra a Índia, nem jamais atacamos quem quer que fosse a pedido do Paquistão.”

Alto funcionário do governo indiano disse a esse jornal que “Não temos qualquer intenção de concorrer com o Paquistão, por abrirmos um canal de comunicação com os Talibã. Queremos simplesmente isolar os grupos anti-Índia que operam no Afeganistão, como o do comandante Ilyas Kashmiri e seu aliado LeT [Lashkar-i-Taiba, que tem base no Paquistão-based].”

Desde 2008, o processo de reconciliação passou por várias fases, porque jamais houve consenso entre todos os atores sobre como lidar com os Talibã. Isso agora mudou, embora ainda não se conheça a resposta final, crucialmente importante, dos Talibã.



Nota de tradução
[1] Talibã é palavra plural para “estudantes”; no singular, Talib, “estudante”. A opção por escrever Talibã, não Talibãs, é decisão de tradução, que aqui não se discute (NTs).

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