domingo, 3 de abril de 2011

Paquistão, pronto para defender os sunitas, no mundo árabe

Syed Saleem Shahzad

2/4/2011, Syed Saleem Shahzad, Asia Times Online

Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

ISLAMABAD. Com um amplo bloco de países muçulmanos sunitas já alinhados contra o crescente xiita no Oriente Médio, o Paquistão, com suas armas nucleares e vastas maiorias sunitas pode vir a ter – embora pareça relutar em assumi-lo – papel importante no confronto. 

Passo na direção de assumir esse papel é a decisão do Paquistão de manter duas divisões de exército em prontidão para deslocamento imediato para a Arábia Saudita, no caso de haver agitação de rua por lá. Foi o que se decidiu depois de uma visita do Príncipe saudita acompanhado do secretário-geral do Conselho Saudita de Segurança Nacional, Príncipe Bandar Bin Sultan ao Paquistão. 

Antes, a Fundação Fauji do Paquistão, entidade para-militar, já estava organizando o recrutamento de mais de mil soldados da reserva para prestar serviço ativo na Guarda Nacional no Bahrain. O pequeno estado no Golfo Persa, onde permanece ancorada a 5ª Frota da Marinha dos EUA, está reprimindo manifestações populares com a ajuda de tropas sauditas de invasão. A elite que governa o Bahrain é sunita e governa população na qual 70% são xiitas. 

O anúncio de que soldados do Paquistão juntar-se-iam à Guarda Nacional do Bahrain apareceu há cerca de três semanas em jornal de massa, publicado no idioma urdu. Desde então, prossegue o recrutamento. 

Segundo investigações conduzidas pelo jornal Asia Times Online, oferecem-se aos recrutados cerca de 100 mil rúpias paquistanesas (US$1.174) por mês, além de assistência médica gratuita e acomodações. As equipes de recrutamento interessam-se especialmente por nomes nos quais haja sinais reconhecidos como  xiitas – como Syed, Abbas, Ali e Hussain. 

A mídia iraniana tem divulgado matérias nas quais se antecipa que o Paquistão terá papel de destaque na região do Golfo, o que já provocou ataques movidos por manifestantes patrocinados pelo Irã no Bahrain, nos quais morreram vários trabalhadores paquistaneses acusados de “colaborarem com os reis sunitas do Bahrain". 

Resposta calibrada 

Veterano político paquistanês e ex-senador, conhecido pelas relações muito próximas com o establishment militar disse a Asia Times Online, pedindo que não fosse identificado, que, imediatamente depois dos levantes no Egito, no início do ano, o Paquistão tratou de posicionar-se cuidadosamente, tanto no plano doméstico como no plano diplomático, como “estado linha-de-frente” à disposição do islã sunita. 

Noutro sentido, o Paquistão já serviu como estado linha-de-frente na “guerra ao terror” desde a invasão do Afeganistão e a derrubada dos Talibãs em 2001 – papel que, até nos melhores momentos, foi difícil e incômodo. 

Por vias discretas, longe dos holofotes, os militares paquistaneses já alertaram os partidos políticos da direita – inclusive o Jamaat-e-Islami Paquistanês, o Jamiat-e-Ulema-e-Islam, a Liga Muçulmana Q do Paquistão, o Tehrik-e-Insaaf Paquistanês de Imran Khan e o Jamaatut Dawa – sobre o que acreditam que venha a ser um confronto definitivo dentro do mundo muçulmano. 

Exatamente nesse momento, o poderoso ministro das Relações Estrangeiras do Paquistão, Shah Mehmood Qureshi, da família espiritual Qureshi de Multan – a família sempre preferida do establishment militar paquistanês, cujas fidelidades políticas sempre mutáveis sempre comandaram o rumo da história política no Paquistão – repentinamente renunciou. 

Em seguida, o ex-ministro iniciou potente campanha contra seus próprios líderes no Partido do Povo Paquistanês (PPP). Afinal, depois de longa ruptura, o establishment militar paquistanês e o velho bloco de partidos políticos pro-establishment novamente estavam reunidos numa mesma página. De diferente que, dessa vez, não se tratava de golpe militar, mas de um posicionamento nacional futuro de todo o Paquistão.

Esse desenvolvimento teve efeito imediato nas áreas tribais insurgentes, onde os militantes imediatamente cessaram fogo contra o exército paquistanês (já havia vigente um cessar-fogo parcial). 

Nesse quadro, a província do Baloquistão, onde há importante movimento separatista, é o único problema local, no caso de o Paquistão envolver-se na crise do Oriente Médio alinhado com os sunitas. A província tem fronteira com o Irã e sempre esteve exposta a intervenção iraniana. 

Movimentos diplomáticos 

Conversas em linha especial sobre a posição da Turquia são o elemento crucial, antes de que o Paquistão mergulhe na crise do Oriente Médio. O partido que governa a Turquia, Partido Justiça e Desenvolvimento, apoiou os levantes árabes, mas a crise na Líbia obrigou Ancara a repensar sua posição. 

A Líbia está convertida em paraíso para todos os militantes do norte da África e do Oriente Médio. Como todos os estados muçulmanos sunitas, a Turquia tem de trabalhar a favor da ortodoxia sunita que dá suporte ao atual governo. 

A Fraternidade Muçulmana, que Gaddafi baniu da Líbia, já renasceu como poderosa força política organizada e está colaborando ativamente com o Jamiat al-Muqatala, grupo de oposição armada que não se acanha de exibir os laços que a ligam à al-Qaeda. 

Reforçados com as armas saqueadas do exército líbio, esses grupos islâmicos já contrabandearam, ao que se sabe, grande quantidade de armas para a Tunísia e o Egito, onde a Fraternidade Muçulmana e seus simpatizantes de vários grupos armados também já re-emergiram. 

Há pouco tempo, o ex-coronel da inteligência militar Abdul al-Zamar e o ex-major Tariq al-Zamar – que estavam presos desde setembro de 1981, depois de golpe fracassado contra o regime do presidente Anwar Sadat, apenas dez dias antes de o presidente ser assassinado – foram libertados da prisão, com vários dos mais altos comandantes do Jamaat al-Jihad (comandada pelo Dr Ayman al-Zawahiri, destacado membro da al-Qaeda), em resposta ao clamor popular nas ruas do Cairo e de outras cidades a favor da libertação dos presos políticos. 

Tudo isso permite avaliar o importante papel que o islã xiita, influenciado pelo Irã, organiza-se para desempenhar no Oriente Médio. Pode também influenciar decisivamente os xiitas nusayri que vivem na Turquia e que, segundo pesquisas recentes, alcançam cerca de 18% da população do país. Ao lado dos rebeldes curdos financiados pelo Irã na Turquia, os xiitas nusayri sempre foram ameaça potencial à estabilidade da Turquia. O exército turco, força avançada do islã sunita, construiu muitas mesquitas sunitas em vilas remotas, na tentativa de contrabalançar o predomínio dos xiitas nusayris. 

Se se sabe que os sauditas sunitas estão estimulando a agitação na Síria, tudo leva a crer que os movimentos dos xiitas patrocinados pelo Irã ganharão novo ímpeto no Oriente Médio. Com isso em vista, primeiro o Paquistão e depois a Turquia, já se preparam para assumir papel proativo, alinhados com a Arábia Saudita, para não deixar escapar a supremacia política das elites do islã sunita no mundo árabe.

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