quinta-feira, 14 de abril de 2011

O lugar “mais mortal” para jornalistas

14/4/2011, MK Bhadrakumar, Indian Punchline
Traduzido pelo Coletivo da Vila Vudu

Cada missão tem traços especiais, e diplomatas de carreira têm de adaptar-se. Qualquer diplomata indiano concordará que, para todos, as duas primeiras horas do dia, todos os dias, antes de sair para trabalhar em Islamabad, tem de ser dedicada a ler a imprensa do Paquistão. Os jornais em urdu são deliciosos e, para um sul-indiano como eu, o tradutor de urdu sempre foi companheiro valioso. A leitura diária dos jornais publicados em urdu literalmente revela outro Paquistão, que pode, sim, permanecer completamente invisível para um estrangeiro. 

Por que a imprensa paquistanesa é tão importante? Primeiro, porque nenhuma informação chega a Islamabad, onde se vive sob estrita “vigilância”. Segundo, porque interlocutores da mídia e com contatos na mídia preferem não ser vistos em companhia de indianos, o que, quando acontece, sempre lhes cria problemas (físicos, inclusive). Portanto, é preciso ler jornais. Terceiro, e dito em termos claros, porque os jornais paquistaneses oferecem pistas valiosas sobre o que pensa o Estado, porque não são independentes nem têm pensamento próprio em áreas sensíveis como política externa e políticas de segurança. Muitos jornalistas em Islamabad, e todos sabem, estão na lista de pagamentos das agências paquistanesas de segurança. 

Supus que as coisas tivessem mudado desde 1992, quando deixei Islamabad. Mas quanto mais as coisas mudam, mais continuam as mesmas. Essa semana, um comentário que se ouviu pela rádio Free Europe/Radio Liberty (rádio financiada pelos EUA, que transmite de Praga) reduziu a cacos a ‘cultura midiática’ paquistanesa.

O que descobriram? (a) Que o “escopo da cobertura continua estreito, a cobertura de temas de segurança e direitos humanos é limitada e só se faz jornalismo ‘genérico’, que acompanha exatamente o que seja determinado pelo governo”; (b) o exército paquistanês “dita exatamente o que os paquistaneses podem ler e ver”; (c) o serviço secreto do Paquistão mantém setores específicos para os canais de televisão, emissoras de rádio etc., e “está convertido em máquina sofisticada especializada em manobrar a mídia e os jornalistas.” 

Mas por que a Rádio Free Europe/Radio Liberty dos norte-americanos, de repente,  pôs-se a desperdiçar dinheiro para ‘denunciar’ a imprensa do Paquistão e a máquina de propaganda do serviço secreto paquistanês? “É Raymond Davis [1], estúpido!”

A CIA está em pânico, com medo de que o serviço secreto paquistanês mobilize a mídia no Paquistão e ponha-se a ‘plantar’ histórias sobre as oito, dez semanas, durante as quais se arrasta o ‘caso Davis’ – o que revelaria ao mundo que a CIA trabalha mal, faz papel de tola e erra mais do que acerta. Minha avaliação é que, dessa vez, o serviço secreto paquistanês venceu “a guerra midiática”. 

Comentaristas norte-americanos, como Christine Fair, andam lívidos, apavorados que outros saibam que foram tão completamente, tão sofisticadamente, enganados pelo serviço secreto do Paquistão. 

A parte mais engraçada é que tudo leva a crer que os norte-americanos realmente acreditavam que os jornalistas paquistaneses comessem na mão da embaixada dos EUA em Islamabad. Até que descobriram que os sul-asiáticos, vez ou outra, comem a mão que os alimenta.


Nota de tradução
[1] Sobre o caso, ver “Raymond Davis era agente da CIA no Paquistão”, 22/2/2011, The Telegraph, Londres, em inglês.

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