quarta-feira, 6 de abril de 2011

O dia que durou 21 anos


Publicado em 06/04/2011 – Mair Pena Neto

Se todas as razões exaustivamente expostas ainda não fossem suficientes para justificar uma emissora pública de televisão no país, a exibição da série “O dia que durou 21 anos”, na TV Brasil, já seria suficiente para explicar a necessidade de sua existência. Sim, porque só uma emissora pública coproduziria e abriria espaço para um documentário que expõe toda a participação do governo dos Estados Unidos no golpe militar de 1964, com base em documentação do arquivo norte-americano, que permaneceu secreta por 46 anos.

Seria inimaginável uma emissora comercial destinar três dias da sua programação para o documentário realizado pelo jornalista Flavio Tavares e seu filho Camilo. A TV Brasil já brindara seu público ano passado com a série “Era das Utopias”, de Silvio Tendler, fruto de 20 anos de pesquisa do documentarista brasileiro, exibida durante toda uma semana útil.

Compromissos com patrocinadores e foco exclusivo na audiência levam as emissoras comerciais a apostarem em programas fáceis e de apelo barato, desprezando produções históricas e mais profundas, como documentários. A TV Brasil vem cumprindo seu papel nesse campo e colaborando para o conhecimento e reflexão sobre a nossa história, condição essencial para a formação de verdadeiros cidadãos.

“O dia que durou 21 anos” enterra qualquer inocência sobre a origem e execução do golpe militar de 64 apenas como fruto do anseio dos militares e de parcela da população civil brasileira. A ação começa a ser orquestrada dois anos antes, quando o presidente John Kennedy toma as primeiras medidas, impressionado com os relatos alarmantes do embaixador norte-americano no Brasil, Lincoln Gordon, que via o país como uma segunda Cuba.

É Gordon quem sugere que Jango seja levado à base militar de Nebraska, na visita do presidente brasileiro aos EUA, em abril de 1962. Jango conhece de perto a sala de comando capaz de destruir o planeta sem entender o porque de toda aquela exibição. Jango não tinha nenhum problema particular com os Estados Unidos e as reformas que propunha são as mesmas que (infelizmente) continuam ocupando a agenda brasileira sem que fantasmas comunistas sejam vistos.

Mas Lincoln Gordon não pensava assim e em conversas gravadas com Kennedy recebeu o sinal verde para organizar a conspiração. A CIA executou operações de propaganda no Brasil e o Instituto de Pesquisas Econômicas e Sociais (IPES) e o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD) financiaram políticos, jornalistas, meios de comunicação e grupos religiosos para atacarem Jango e criarem o clima propício ao golpe.

A morte de Kennedy e a chegada ao poder de Lyndon Johnson não alteram a estratégia e o novo presidente norte-americano aparece em vídeo afirmando que outro regime comunista no hemisfério ocidental não pode e não iria acontecer. “Vamos ficar em cima de Goulart e nos expor se for preciso”, disse Johnson.

O documentário exibe documentos com referências à operação Brother Sam, que o assistente de Lincoln Gordon, Robert Bentley, afirma desconhecer. A exposição a que Johnson se referia se configurava no envio de força-tarefa naval ao Brasil para “controlar as massas”. Junto aos militares brasileiros, a ação era organizada pelo adido militar da embaixada dos EUA, Vernon Walters.

A reação esperada pelos EUA e os militares golpistas não veio, mas isso não impediu que o regime de exceção se transformasse numa ditadura sanguinária, que perseguiu, torturou e matou muitos de seus cidadãos, sempre com apoio incondicional dos EUA, inclusive responsável pela formação de torturadores na famigerada escola do Panamá.

A maioria desses fatos é conhecida, mas o documentário de Flavio Tavares tem o mérito de trazer à luz documentos e gravações que comprovam o envolvimento dos EUA na conspiração. E a TV Brasil, ao exibi-lo em canal aberto, amplia seu alcance e cumpre a função constitucional de ser educativa, cultural e informativa, abrindo espaço para produções independentes que expandem o mercado e contribuem para a melhoria da  qualidade da televisão brasileira.

Enviado por Direto da Redação

3 comentários:

  1. oi, castor,

    será que vão disponibilizar o documentário no youtube?

    abçs

    carlos-fort-ce

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  2. (comentário enviado por e-mail e postado por Castor)

    Peço o favor de informar se a TV Brasil pretende lançar DVD do documentário. A SBS australiana, uma das 52 verdadeiras tevês públicas operadas como tal em todos os quadrantes, tem um canal chamado World Movies, o melhor existente em termos de revelação de filmes de todas as procedências, que as famigeradas MPAA-MPA Inc. não permitem livre circulação (distribuição e exibição) nos circuitos comerciais. Quando bem sucedidos junto à maioria dos telespectadores, por suas qualidades cinematográficas, o próprio canal da SBS se encarrega do seu lançamento em DVD. Eis um bom exemplo para a TV Brasil, se a intenção dos seus dirigentes for, de fato, torná-la uma tevê pública, pois, até agora, não atende à definição desse modelo. Não passa de um ensaio formal da modalidade.

    Abraços do
    ArnaC

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  3. Prezado Carlos (anônimo)
    Espero que disponibilizem p[ara o YouTube e quem quiser maior qualidade possa comprar no varejo ou via internet...
    Abraço
    Castor

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