sábado, 5 de março de 2011

Por uma mudança de foco

Alfredo Pereira dos Santos

Alfredo Pereira dos Santos

Muitas pessoas que não viveram os anos da ditadura, em que o Congresso foi amordaçado, tendem a menosprezar a classe política e chegam ao ponto de achar que deputados e senadores não tem a menor utilidade. Pois eu lhes asseguro que é melhor um congresso ruim do que uma ditadura. Um congresso ruim pode ser melhorado pelo voto popular enquanto que a ditadura nos nega o direito a esse voto e nos impõe, pela força e pelo autoritarismo, a sua vontade.

Antigo adágio latino diz que VOX POPULI, VOX DEI, ou seja “A voz do povo é a voz de Deus”. Antigamente achava-se que, através da consulta ao povo podia se obter a confirmação de fatos não provados.

Há quem discorde disso, o que é um direito legítimo de cada um. Contudo, o que não se pode ignorar é o parágrafo único do Artigo primeiro da nossa constituição, que diz o seguinte:

Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.

Este é um princípio quase que universalmente aceito. A constituição de Cuba, por exemplo, no seu artigo quarto, diz o seguinte:

Na República de Cuba todo o poder pertence ao povo trabalhador que o exerce por meio das Assembléias do Poder Popular e demais órgão do Estado que delas se derivam, ou, bem assim, diretamente”.

Nos Estados Unidos, no século XVIII, o George Washington dizia que se o povo quisesse reeleger quantas vezes o desejasse um presidente da república isso não constituiria problema algum, sendo esse um direito do povo. Esse princípio vigorou até a primeira metade do século XX, quando foi modificado. O Franklin Delano Roosevelt (1882-1945) foi eleito presidente dos Estados Unidos em 1932 e foi reeleito em 1936, 1940 e 1944. 

Roosevelt tornou-se muito popular porque combateu com sucesso a depressão econômica iniciada em 1929, mas os seus adversários políticos, inconformados com as suas sucessivas vitórias eleitorais, conseguiram mudar a constituição norte-americana.

Não se justifica criticar o povo por ter votado neste ou naquele candidato. O povo vota em quem quiser, é um direito seu. Diante da afirmativa de que “o povo não está preparado para votar” o escritor, filósofo e matemático, Bertrand Russell, a questionava indagando se havia alguém suficientemente bem preparado para ser ditador.

Se o povo votar num candidato que vai atuar contra os interesses do povo este é quem mais vai sofrer. Logo, o povo é o único que tem o direito de errar.

É bastante comum que se critique alguns candidatos eleitos por serem considerados figuras caricatas, ridículas, ignorantes, etc.; embora não haja nenhuma garantia de que um candidato que tenha sido eleito, e não tenha nenhum desses atributos negativos, venha a ser um bom representante do povo. Um deputado pode ser culto, inteligente, educado, elegante e atuar em defesa de interesses privados e não do povo.

Alega-se que os parlamentares brasileiros ganham muito e trabalham pouco. Isso até pode ser, mas não é a questão principal. Se o Brasil fechasse todas as casas legislativas e suspendesse o pagamento de deputados, senadores, vereadores, etc., a economia resultante não iria resolver os problemas brasileiros. E o povo ficaria sem representatividade. Há que se notar, também, que parlamentares não entesouram o que ganham. Eles gastam o dinheiro com assessores, com passagens aéreas, com ligações telefônicas, podem contratar empregados, vão a restaurantes, teatros, cinemas e com isso o dinheiro volta a circular. Pode ser que deputados ganhem muito, mas o que mais deveria nos indignar é o fato do trabalhador ganhar tão pouco.

E tem mais: enquanto nos preocupamos com o salário dos parlamentares não nos damos conta de coisas como os cálculos feitos, em 2006, pelo IBAMA, que mostram que o Brasil tinha um prejuízo diário de US$ 16 milhões graças à biopirataria internacional. As matérias primas e os produtos brasileiros saem daqui e são patenteados em outros países. Com isso, as empresas brasileiras não podem vender esses produtos no mercado internacional e, inclusive, são obrigadas a pagar royalties para importá-los.
Ora, minha gente, dezesseis milhões de dólares por dia dão, num mês, 480 milhões de dólares. Supondo-se o dólar a dois reais, teríamos, então, um prejuízo mensal de 960 milhões de reais. Ainda que tivéssemos 1000 deputados os gastos não chegariam a tanto.

Querem mais? Vamos falar então no serviço da dívida brasileira. Eu não sou economista, de modo que faço minhas as palavras do doutor Adriano Benayon, que conhece o assunto em profundidade:

A dívida externa total (não apenas a pública) vem do financiamento dos déficits de transações correntes com o exterior, os quais, por sua vez, derivam da estrutura industrial e econômica dependente. Esta já condenara o Brasil a um pesadíssimo serviço da divida ao longo do Império e da República Velha (até 1930). A partir de 1954 criaram-se novamente condições para a deterioração estrutural, ao serem a indústria e a economia do País crescentemente controladas por empresas transnacionais por meio dos investimentos diretos estrangeiros.

Além de perpetuar o subdesenvolvimento e de realimentar a dependência financeira e a tecnológica, essa estrutura acarreta vultosas transferências de recursos para o exterior. A remessa oficial de lucros, somente a ponta do iceberg, vem batendo recordes sucessivos e atingiu US$ 8,6 bilhões num só trimestre, o primeiro de 2008.”

Urge, pois, uma mudança de foco, pois estamos nos comportando como o indivíduo que, com uma faca cravada no peito, pede ao médico que lhe examine uma unha encravada no pé.

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