quarta-feira, 16 de março de 2011

Líbios e o xeque do Bahrain: “rock’n roll” de sabres

Pepe Escobar

17/3/2011, Pepe Escobar, Asia Times Online
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

O ocidente “ilustrado” acaba de enviar mensagem ao povo líbio rebelde: as forças de Muammar Gaddafi terão de acabar com a raça de vocês, num mar de sangue, antes que o pessoal aqui decida alguma coisa. E mesmo que decidamos, será tarde demais. Desculpem. Foi mau. 

Quanto ao rei dos reis, teve de aumentar o gás para tomar aqueles pilares da inércia burocrática – a ONU, a União Europeia, a Liga Árabe; agora, está em marcha batida, depois de Ajdabiya já ter praticamente caído, apenas a 150 quilômetros de Benghazi, numa estrada de deserto praticamente vazia. O leste libertado da Líbia está batido, sovado e enrolado, assando, com sabre e tudo. 

Gaddafi disse que o ocidente blefava – e está ganhando a aposta. Riu do fracasso abjeto anglo-francês, que não conseguiu impor qualquer zona “no-fly” (não que a coisa o preocupasse; Gaddafi sempre preferiu artilharia pesada e tanques). Viu a inércia da Casa Branca, quando a Casa de Saud reprimiu com selvageria o “Dia de Fúria” na 6ª-feira. Registrou o silêncio da Casa Branca, quando a Arábia Saudita invadiu o Bahrain na 2ª. 

Viu logo o quanto, para Washington, é impensável qualquer mudança de regime tanto no Bahrain quanto na Arábia Saudita. E, por mais que o ocidente deseje mudança de regime na Líbia – concluiu ele –, nada arriscarão para consegui-lo. Deve ter dado uma espiada no índice democrático da Unidade de Inteligência de The Economist e lá viu que a Líbia aparece no 158º lugar, e a Arábia Saudita, no 160º. Estamos empatados – deve ter pensado: os dois temos petróleo e nem um nem outro deixaremos cair a peteca. 

Na Líbia e no Bahrain, a grande revolta árabe de 2011 parece ter chegado à linha vermelha: aqui, toda e qualquer mudança de regime pára – a Casa de Saud fica com o primeiro lugar no topo da pirâmide das ditaduras árabes, seguida pelos asseclas, os reinos e sheikados do Golfo. 

A cereja do bolo da hipocrisia é que, semana passada, os ministros de Relações Exteriores dos países do Conselho de Cooperação do Golfo declararam que o regime de Gaddafi ter-se-ia tornado “ilegítimo”. Conclamaram a Liga Árabe a “assumir suas responsabilidades e tomar as necessárias medidas para conter o banho de sangue na Líbia” – já depois de a máquina de repressão do Bahrain ter assassinado cidadãos desarmados e de a Arábia Saudita ter ameaçado fazer o mesmo. 

E que ninguém espere qualquer socorro da al-Jazeera do Qatar: a cobertura é abertamente favorável à invasão do Bahrain pelos sauditas, depois de a rede ter praticamente ignorado uma semana de protestos. Chame a coisa de “esprit de corps” de todos os membros do GCC. O rei Hamad al-Khalifa do Bahrain já implantou três meses de estado de emergência – os apoiadores insistem em não chamar de lei marcial – e autorizou os comandantes de suas forças armadas a fazer o que lhes pareça necessário para calar os protestos, podendo, inclusive, assassinar o próprio povo. 

Atenção às linhas vermelhas 

Os oficiais militares de Gaddafi também já viram de que lado continuam a soprar os ventos repressivos do deserto: bombardeio intenso e artilharia pesada os empurrarão até a terra prometida (recapturada). Por seu lado, o principal comandante militar rebelde o general Abdel Fattah Younis, ex-ministro do Interior de Gaddafi, que já tem a cabeça a prêmio (4 milhões de dólares), apostou a fazenda em que seus rastreadores localizariam as posições da artilharia e dos tanques de Gaddafi e fariam o serviço de sabotagem. Não funcionou. Recuou a linha vermelha em Adjabiya; a linha caiu no prmeiro dia. Só lhe resta defender-se desesperadamente, corpo a corpo, rua a rua – mas Gaddafi não desperdiçará infantaria: sua estratégia é bombardeio incansável até o juízo final. 

A Batalha de Benghazi é a última frente dos rebeldes. Como a estrada do mar se bifurca em Ajdabiya, a máquina de Gaddafi contornará Benghazi, tomará as cidades do leste, junto à fronteira do Egito, e dali sitiará Benghazi pelos dois lados. Há rios de sangue no horizonte. 

A história talvez comprove, em breve, que a Casa Branca conseguiu neutralizar o jogo duplo anglo-francês – explicitamente –, de nada fazer sobre a Líbia. Gaddafi foi “terrorista”, passou ao estágio de “o nosso filho-da-puta”, agora é “um bandido”, mas é bandido que Washington conhece. Desde o início, Washington temeu um pós-Gaddafi com tintas de islamismo. Pouco importa que o governo provisório de Benghazi tenha-se revelado tribal e nacionalista. Esperto, Gaddafi investiu na versão de rebelião conduzida pela al-Qaeda porque sabia que acreditariam. Como acreditaram. 

No final, o ocidente sequer ficará com o petróleo. Gaddafi acaba de dizer à TV alemã que as empresas ocidentais – exceto as alemãs (porque a Alemanha votou contra a zona de exclusão aérea) – podem dar adeus aos anos de bonança movida a petróleo líbio. “Não confiamos naquelas empresas. Conspiraram contra nós. Nosso petróleo agora irá para os russos, os chineses, os indianos.” Em outras palavras: para os BRICSs. 

Sejamos justos: ao presidente Barack Obama dos EUA só restou a fantasia de múmia. Depois da orgia de hegemonia preventiva, unilateral, dos neoconservadores à Bush, Obama já não tinha cacife para mais uma invasão imperialista de país muçulmano. Especialmente porque a Casa Branca deve ter percebido que o capital moral dos EUA no mundo árabe já é virtualmente igual a zero. 

Sobretudo, a Casa Branca aprendeu que a China – para nem falar dos demais BRICSs – era e continua a ser contra qualquer intervenção. A China tem imensos interesses na África e não quer sacudir o bote. E, além de tudo, com déficit de um trilhão de dólares, ninguém pode meter-se em traquinagens de zonas “no-fly”: os seus eleitores, sem tostão, entendem que deveriam ser eles o objeto de socorro humanitário, não os remotos líbios. 

O futuro é sombrio. Não haverá mudança de regime. Em vez disso, haverá um tsunami de sangue. A cavalaria norte-americana não aparecerá. E todos assistiremos às imagens da al-Jazeera como ovelhas silenciosas.

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