quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Sayyed Nasrallah:“Somos a resistência. Não nos interessam cargos.”

25/1/2011, Batoul Wehbe, Al-ManarTV, Beirute
Traduzido pelo Coletivo da Vila Vudu


O secretário-geral do Hezbollah Sayyed Hasan Nasrallah falou ontem pela televisão à multidão reunida para ouvi-lo em Ras Al-Ein, Baalbek, na comemoração do Arbaeen [1] do Imam Hussein (AS) e seus seguidores mártires.

Sayyed Hasan Nasrallah - Secretário Geral do Hezbollah
Sayyed Nasrallah começou por apresentar as três principais questões de que trataria em sua fala, depois de relembrar o significado religioso da solenidade em que se reuniam: “Primeiro, falarei sobre a ocasião; segundo, brevemente, sobre os desenvolvimentos na região; e por fim, falarei sobre os recentes desenvolvimentos no Líbano, sobretudo sobre os dias especialmente sensíveis que vivemos hoje, e suas consequências para o destino de nosso país.”

Na introdução, Sayyed Nasrallah saudou o povo da Tunísia pelo valente e abençoado levante, alertando os tunisianos para que se mantenham atentos e fortes para que não haja qualquer distorção nos seus esforços de resistência. “Ouvimos ontem que [o secretário-assistente de Estado dos EUA Jeffrey] Feltman já viajou para a Tunísia. É mau sinal. O povo da Tunísia deve manter-se atento, porque, se Feltman insistir em organizar conversações e os procedimentos eleitorais com o governo interino da Tunísia, estará aí, bem evidente, que mais uma vez, como sempre, estará em andamento mais uma conspiração dos EUA. Sempre que Feltman, fantoche dissimulado, aparece, traz com ele tristeza e desolação.”

O chefe do Hezbollah acusou a comunidade internacional de mobilizar-se a favor da libertação de um único soldado israelense do exército ocupante da Palestina, e esquecer sempre dos milhares de palestinos que continuam presos nas prisões de Israel. 

“O mundo fala sobre Shalit, assassino e agressor de palestinos, e esquece os milhares de palestinos que continuam nas prisões israelenses. Lembremos as casas destruídas, a mesquita Aqsa atacada e os milhões de refugiados contra os quais todo o mundo conspira para impedi-los de voltar à terra onde nasceram e aos seus locais de culto, de readquirir seus direitos e o respeito que lhes é devido. Desde o início sempre pensamos na Palestina e nos sofrimentos dos palestinos. A essa causa oferecemos nossos mais preciosos mártires e continuaremos a oferecer, e nos ofereceremos nós mesmos ao martírio com os palestinos, até alcançarmos a vitória, quando for esse o desejo de Deus.”

A fala de Sayyed Nasrallah aconteceu enquanto apoiadores do ex-primeiro ministro Saad Hariri tomavam as ruas para protestar contra a indicação de Najib Mikati para formar o novo governo. Os apoiadores de Hariri atacaram com violência jornalistas árabes e estrangeiros, o que jamais se vira antes no Líbano, além de atacarem também soldados do exército libanês com pedras e coquetéis Molotov, além de depredar os gabinetes de Mikati e do deputado Mohamad Safadi.

“Passamos por fase difícil e sensível, que exige que enfrentemos a situação com responsabilidade. Agimos conforme o que dispõe a Constituição (para derrubar democraticamente o governo de Hariri e indicar outro primeiro-ministro). É nosso direito legal contraditar qualquer acusação sem provas que venha do Tribunal Especial da ONU para o Líbano, e que tome a resistência como alvo de ataque político. O que fizemos foi ato de resistência legal, no exercício de um direito constitucional. Os ministros da oposição renunciaram, com o quê caiu o Gabinete, e iniciamos consultas constitucionais ao Parlamento, que indicaram resultado claramente democrático. O presidente [Michel] Sleiman designou Mikati para que constitua o novo governo libanês” – disse Sayyed Nasrallah. 

E acrescentou: “A batalha pelo início das consultas foi batalha muito dura. Tenho de dizer para que todos saibam que houve interferência de potências estrangeiras. Até o vice-presidente dos EUA Joseph Biden telefonou a um dos líderes do bloco parlamentar, para pedir-lhe que votasse em Saad Hariri.

“Entendemos os sentimentos e o medo [dos apoiadores de Hariri]. Mas imaginemos que a situação fosse outra e outro candidato fosse indicado e nossos resistentes tivessem tomado as ruas para protestar. Todos sabemos que teríamos sido pesadamente condenados por Washington e outras capitais ocidentais. Estaríamos assistindo a uma campanha global para apresentar os apoiadores da oposição como terroristas, ditadores e rejeicionistas. Mas os manifestantes violentos não somos nós, são eles; e o mundo, então, se cala.

Os que pregam respeito pela legitimidade das instituições constitucionais libanesas, dessa vez, estão calados. Por que respeitam a vontade daquela maioria, mas não respeitam a vontade daquela oposição constitucional? E se fechar e bloquear ruas e estradas é direito legítimo, por que tantas condenações à oposição quando estamos nós, nas ruas?

Há cinco anos ouvimos lições sobre civilização, democracia e sobre as regras de convivência entre maioria e minoria. Mas hoje, aqueles ‘professores’ de civilização e democracia calaram-se.”

Sua Eminência acrescentou que “apesar de tudo, vivemos hoje uma nova oportunidade política”. “Serão inúteis todas as ameaças contra Mikati. E erram os que digam que Mikati é candidato do Hezbollah. Em 2009 o nome de Mikati estava na lista eleitoral do grupo de Hariri, e sempre foi homem de centro.

Os slogans que se ouvem hoje visam apenas a pressionar Mikati e não há dúvidas de que visam também a incitar à disputa sectária. A oposição poderia ter escolhido outro nome, mas vimos, na indicação de Mikati, uma oportunidade para desarmar o desafio e garantir uma chance à política nacional. Por isso o Hizbollah apoia seu nome. O próximo primeiro-ministro não será do Hezbollah, nem, tampouco, será do Hizbollah o próximo gabinete.

Essas são ideias falsas, que têm sido propagandeadas apenas para mobilizar as potências estrangeiras contra o Líbano – sobretudo, como sempre, os EUA e Israel e todos os comprometidos no projeto EUA-Israel para a Região.”

Sayyed Nasrallah repetiu que o Hezbollah sempre foi e é partido de um movimento de resistência, luta de militantes muçulmanos mártires contra o inimigo israelense.

“O Hezbollah não é partido que caça cargos e aspire ao poder. Antes de 2005, jamais participáramos do governo. Nunca exigimos ministérios ou cargos na administração ou no poder. O que reivindicamos é que entendam que somos um movimento de resistência; existimos para preservar nosso país, preservar a dignidade do Líbano e dos árabes, libertar terras ocupadas e locais sagrados.

Esperamos duas atitudes dos demais partidos: que nos respeitem como somos e que não conspirem contra nós. Não nos traiam. Não tentem nos apunhalar pelas costas. Lutamos contra Israel, de peito aberto e declaradamente. Esse o martírio ao qual nos expomos. E não aceitaremos tiros à traição ou conspirações. Não precisamos que ninguém nos proteja. Trabalhamos para os pobres e com os pobres, sobretudo nas áreas mais carentes, como Akkar, no Bekaa e no Norte. O que os partidos da maioria fizeram por Akkar, Trípoli e o norte, nos últimos cinco anos?”

“]Hariri e seus correligionários] viajaram a Washington, assinaram pactos, compromissos, conspiraram contra a resistência e contra as armas da resistência. Tentaram desarmar a resistência até nas negociações do diálogo nacional, e fracassaram sempre. Eles nos arrastaram para a guerra de julho e falharam. Hoje, tentam servir-se do Tribunal Especial – que não investiga o que existe para investigar – e nada faz além de tentar enredar a resistência em suas falsas denúncias, falsas provas, falsas testemunhas. Falharão outra vez” – disse Sayyed Nasrallah.

“Embora a resistência tenha enfrentado dificuldades econômicas sob aquele governo, entendemos a importância de conviver e resolver juntos as questões do Líbano. Se não dermos a Mikati uma chance, quem pensam vocês que voltará ao poder, se não as potências estrangeiras de sempre?” – perguntou Sua Eminência.

Sayyed Nasrallah destacou que só o exército, o povo e a resistência podem proteger o Líbano contra os ataques de Israel, não o tipo de governo, o Gabinete ou algum primeiro-ministro. “Deem uma chance a Mikati, para formar um governo e governar por um ano. Recusar-se a participar do próximo gabinete só fará comprovar que o Movimento 14 de março só ambiciona os cargos, o poder, e quer monopolizar o governo do país.” 



Nota de tradução
[1] Arbaeen (Arbayeen), “quarenta” em árabe, ou Chehlum, como dizem os muçulmanos de língua urdu, é cerimônia religiosa que se realiza 40 dias depois do Dia de Ashura (Aashura/Ashurah), culto religioso em memória da decapitação de Imam Husayn Ibn Ali (as), neto do Profeta Maomé, no 20º dia do segundo mês (Safar) do calendário lunar islâmico. O período tradicional de luto, em muitas culturas árabes, dura quarenta dias.

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