quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Hamás: partido da mudança e da reforma

Ahmed Yousef

23/1/2011, Palestine Chronicle, Ahmed Yousef (em Gaza)
Selecionado e traduzido pelo Coletivo da Vila Vudu
Ahmed Yousef foi conselheiro político do primeiro-ministro Ismail Haniyeh.

“Os palestinos, em seus próprios termos, desejam o mesmo que as sociedades ocidentais: autodeterminação, modernidade, acesso aos mercados e vida econômica própria, além de liberdade para que a sociedade palestina se desenvolva. Os que falem de “estados falidos” e de “hamastão” como terra de terroristas esquecem o verdadeiro culpado pelos fracassos – o governo dos EUA, que optou por isolar, em vez de engajar, o governo do Hamás eleito na Palestina”.
[Ahmed Yousef, “Engage With Hamas. We Earned Our Support”, The Washington Post, 20/6/2007}
  

A visão e a política 

O Hamás tem demonstrado que tem flexibilidade para lidar com realidades em mutação, sem perder de vista seus princípios; e já demonstrou abertura para engajar-se ativamente, quando considerou adequado. Hoje, nossa posição está cristalizada nos seguintes termos:

1. Os direitos históricos são inalienáveis, a serem defendidos por cada geração; e prosseguiremos, até que aqueles direitos sejam restaurados. A questão é sempre de capacidade, considerada a correlação regional de forças. Os palestinos jamais negaram o fato de que judeus e cristãos são parte do povo palestino e dessa terra – terra de todos os profetas. Mas rejeitamos uma situação na qual a propriedade é reservada para uns, e os locais sagrados para outros, apoiada por potências externas e clamores de promessa divina. Essa não é posição só do Hamás, mas de todos os palestinos.

2. Há clara diferença entre ceder a pressões e aceitar condições, à espera de melhores condições para nosso povo, e ganhar nossos direitos de modo que preserve a integridade dos direitos e proteja nossas terras e nossos locais de culto. Tentativas para empurrar o Hamás para o caminho trilhado pelo Fatah (falar muito e, simultaneamente, ceder muito) nos devolverão à situação inicial, o que é inadmissível e insustentável. O processo de decisão dentro do movimento é aparelho consultivo, planejado e construído para proteger a inviolabilidade da causa palestina e os direitos históricos dos palestinos; nesses termos, só consideraremos soluções que levem em conta o desejo do povo. 

3. O conflito em que lutamos hoje contra a ocupação é conflito político. Virtualmente todos os movimentos de libertação valeram-se da linguagem da religião para inspirar os povos, porque esse discurso garante maior clareza e motivos para todos os sacrifícios na defesa da liberdade. De nossa parte, não nos envergonhamos de expor os pilares históricos nos quais baseamos nossa luta contra o fundamentalismo inerente ao sionismo. Fazêmo-lo de modo a minar o delírio da Eretz Israel; e nos pomos firmemente no caminho que nos leve a uma paz justa.

4. O Hamás é movimento de libertação nacional com identidade islâmica; e reconhece que o conflito às vezes assume traços de luta religiosa, de modos que não podem ser ignorados. A Palestina é causa da qual não nos podemos separar; e há direitos que nos foram usurpados e que têm de ser restaurados, pela paz ou pela guerra. Nenhum partido político pode simplesmente abrir mão desses direitos, sem recurso a um referendo nacional que decidirá coletivamente sobre o justo curso a seguir para preservar o bem maior do povo palestino.

5. A pedra basilar dessa questão é que os direitos dos palestinos não desaparecem por efeito de um muro que cerque os palestinos. Tenha ou não o conflito uma dimensão religiosa, os direitos dos palestinos têm de ser restaurados mediante acordo pacífico ou mediante conflito declarado que se estenderá por muitas gerações futuras, à espera de alguma mudança na correlação de forças, até que seja possível que alguma solução justa venha à tona.

6. O Hamás entende que o atual conflito tem várias dimensões: religiosa, política, legal, ética e de segurança. Contudo, o coração do conflito são os direitos de que os palestinos fomos roubados. Esses direitos têm de ser restaurados; e a comunidade internacional entende e compartilha esse imperativo mediante numerosas declarações, dentre as quais a Resolução n. 194 da ONU, pela qual se reconhece o direito dos refugiados palestinos retornarem à Palestina e serem compensados pelas perdas que sofreram.

7. De nossa parte, reconhecemos que essas terras sagradas são o berço de três mensagens monoteístas – de judeus, cristãos e muçulmanos. Crentes dessas três fés vivem há séculos nessa terra; a presença de todos, portanto, nessa terra, jamais foi interrompida e nunca será.

8. O povo palestino jamais rejeitou os judeus que aqui vivem e viveram. Mas sempre rejeitamos a aberração sionista que veio para roubar, dominar, expulsar ‘o gentio’ indígena, e chamar para cá massas de migração vindas de todo o mundo beneficiados por programas formais de Aliyah(condições especiais de imigração) que só beneficiam judeus.

9. É possível para todos os habitantes originais dessa terra conviver aqui, depois que os que foram roubados tenham restituídos os seus direitos. Mas nenhuma submissão ao status quo, que nega o crime construído aqui ao longo de 60 anos, é aceitável, em nenhuma circunstância.

Esses, pois, são os princípios gerais sob os quais operam os islâmicos palestinos, independente do que se diga em outra carta de princípios escrita em momento específico e tumultuado, há quase um quarto de século; em momento em que a linguagem do conflito de todos contra todos era objeto de vasta fraseologia política e religiosa. 

O pragmatismo da atual posição do Hamás é autoevidente, se se o considera sem a parcialidade do discurso de propaganda. É hora de Israel e toda a comunidade internacional reconhecê-lo como é, ou toda essa terra santa continuará a ser cenário de luta, até que amadureça uma nova geração.

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