quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Convite iraniano e desconfiança ocidental

7/1/2011, Kaveh L Afrasiabi, Asia Times Online
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Os EUA e alguns de seus aliados ocidentais reagiram com desconfiança ao convite que o Irã fez a vários países, para visitarem suas instalações nucleares, em vez de tomar o movimento como sinal de boa vontade e disposição para maior transparência, na rodada de conversações com potências mundiais sobre o programa atômico da República Islâmica. 

O ministro das Relações Exteriores do Irã disse na 4ª-feira que convidara países representados na Agência Internacional de Energia Atômica [ing. International Atomic Energy Agency (IAEA)] para visitarem as instalações nucleares em Natanz e Arak, sugerindo para a visita as datas de 15 e 16 de janeiro, antes da reunião em Istambul. Diplomatas na sede da Agência em Viena disseram que o Irã convidara apenas dois – Rússia e China – dos seis que constituem o grupo chamado “Irã 6” e que devem participar das conversações marcadas para logo depois, em Istambul; não foram convidados EUA, França, Grã-Bretanha e Alemanha. Teerã também convidou Egito, Turquia, Brasil, Cuba e Hungria, que atualmente ocupa a presidência da União Europeia.

Porta-voz da União Europeia disse na 5ª-feira que o bloco não respondera à carta-convite e reiterou que “quem tem de inspecionar as instalações nucleares iranianas é a IAEA”. 

Rotulando o convite como simples artifício tático para dividir a “coalizão internacional” contra o Irã, a imprensa ocidental e vários comentaristas midiáticos desqualificaram a iniciativa, apesar da imensa potencialidade de um gesto que bem poderia fazer aumentar a confiança da comunidade internacional na natureza pacífica do programa nuclear iraniano. 

Dentre outros, artigo publicado no Christian Science Monitor reproduz opinião de um especialista em Irã, Shahram Chubin, que diz exatamente o que se lê acima e não faz qualquer referência sequer à possibilidade de o Irã ser movido por outras intenções, menos sinistras, que não sejam só desejo de “dividir para conquistar”. 

No New York Times, mais da mesma rotulagem. O jornal diz que a usina nuclear de Bushehr no Irã “não chega a ameaçar”, porque é vistoriada pelos inspetores da IAEA, mas não diz que, segundo os próprios relatórios da própria IAEA, a agência continua a vistoriar plenamente as atividades de enriquecimento, usando câmeras de vigilância em todas as paredes da usina de enriquecimento de Natanz, com relatórios de cerca de 27 inspeções pontuais nos últimos dois anos, além das inspeções regulares. 

“Não havia convite algum em nossa caixa de correspondência”, disse, sério, o porta-voz do Departamento de Estado dos EUA, Philip Crowley. Mas, afinal, por que o Irã convidaria os EUA, país com o qual não tem relações diplomáticas, para que inspecionasse suas instalações nucleares? 

Se há alguma honestidade na política norte-americana de “engajamento” com o Irã, seria para festejar que o Irã convidasse a União Europeia, o Egito, Cuba e o Movimento dos Não Alinhados, que elogiaram a iniciativa como mais uma evidência de que o programa iraniano visa a finalidades pacíficas. 

Movimento que ocorre em boa hora, o convite feito pelos iranianos também ajuda a esfriar a fornalha que Israel insiste em manter acesa e aquecida contra o Irã, embora não consiga esfriá-la completamente, dado o vício dos israelenses, dependentes irremediáveis do recurso à guerra ante a primeira suspeita de ameaça externa. 

O principal dilema de Israel é que qualquer ataque militar ao Irã só teria o efeito, indesejável, de empurrar o Irã diretamente no rumo da proliferação nuclear, com o apoio de toda a nação. Efeito desse dilema é que a melhor opção para Israel é conviver com um Irã potencialmente nuclear, que se autolimita, felizmente, e não constrói a bomba, não porque lhe seja proibido, mas por astúcia, cálculo de segurança nacional e razões morais e religiosas. Por isso, para Israel, tornou-se indispensável a mediação diplomática com o Irã – o que só é possível se Israel recorrer à diplomacia dos EUA, seu Estado-patrão. 

Sobre o modo como os EUA abordam a questão iraniana

Confrontada com um Congresso dominado por Republicanos e provavelmente mais linha-dura, a política exterior do governo Barack Obama, inclusive o modo como aborda a questão iraniana, parece exposta a oposição político-partidária ainda mais feroz do que antes. 

Sob o impacto de cisão crescente na discussão de questões da segurança nacional dos EUA, ainda longe de acabar, a política da Casa Branca para o Irã enfrentará de agora em diante novo nível de complexidade, em parte por influência de senadores como Mark Kirk (Republicano de Illinois) que prega sanções cada vez mais duras contra o Irã. 

É certo que, com olhos já postos na eleição de daqui a dois anos, o presidente aspirante à reeleição não dará aos opositores ocasião para acusá-lo de ser responsável por alguma “paz com o Irã”. Mas, se se analisa o quadro com as precauções devidas, Obama tem, simultaneamente, uma oportunidade única para converter em vantagem a fraqueza de sua política exterior – basta que consiga articular, a tempo, uma saída para o impasse da nuclearização do Irã. 

Oportunidade para construir essa saída bem poderia ser as próximas conversações nucleares em Istambul, assumindo-se que os dois lados utilizem todos os seus recursos, inclusive diplomacia secreta, antes da reunião, para limpar o caminho e construir o sucesso do encontro. 

Pré-requisito importante seria preparar a opinião pública nos EUA – o que hoje ninguém cuida de fazer –, de modo a tornar mais difícil que a Casa Branca assine acordo ‘marginal’ com Teerã – que, conforme se sabe hoje pelos telegramas vazados por WikiLeaks, prefere que o combustível nuclear para seu reator médico venha de Washington, em vez de vir de Moscou. Questão importante aí é: O que Obama pensa disso tudo, hoje? 

A partir da informação disponível, pode-se, no máximo, conjecturar. Obama não tem falado muito sobre o Irã nos últimos tempos, ao que parece mais focado em questões domésticas, desde o resultado desastroso das eleições de meio de mandato, que alteraram o equilíbrio de forças políticas em Washington, com prejuízo para os Democratas. Mesmo assim, se podem considerar algumas observações, que são chaves para saber se como os EUA conduzir-se-ão na reunião de Istambul: 

  1. A Casa Branca já não se tem mostrado tão alarmista ante alguma iminente proliferação nuclear pelo lado do Irã, ideia recentemente transmitida aos israelenses por funcionários norte-americanos, e pode-se inferir disso que Obama esteja convencido de que de fato não há prova alguma de que o Irã mantenha algum programa clandestino de armas nucleares.

  1. Além da percepção de que o Irã, em qualquer caso, está a anos de dominar as competências necessárias para construir armas atômicas, inclusive algum sistema de transporte e detonação, a Casa Branca está também satisfeita com os desastres na tecnologia das centrífugas iranianas; a visível falta de progresso com as centrífugas P2 mais avançadas, devida em parte ao controle das exportações, que resultou em número menor de centrífugas esse ano, que há um ou dois anos. 

  1. Também importante, do ponto de vista dos EUA, é o efeito da ciberguerra que, como o próprio Irã anunciou, afetou seu programa nuclear, para não falar do efeito psicológico de campanhas coordenadas de sequestros e assassinatos de cientistas nucleares iranianos. 

Consideradas essas evidências, os EUA, que dependem de as usinas iranianas serem funcionais, para manter ativada a ‘ameaça iraniana’, que interessa ao complexo militar-industrial norte-americano, terão de formular política mais consistente, que sirva como pilar de sua política de ‘contenção’, ao mesmo tempo em que marcham na direção da détente com o Irã. 

Esse movimento seria ditado pelas exigências da política de segurança regional, com Washington e Teerã apostando nos mesmos cavalos políticos em Bagdá e Cabul, além da antipatia que ambas manifestam contra o terrorismo wahhabista. O ex-embaixador do Irã no Iraque, Hassan Kazemi Ghomi, em entrevista publicada em Iranian Diplomacy, disse que “ao contrário do que se lê nos telegramas publicados por WikiLeaks, o papel do Irã no Iraque foi construtivo”. 

É impossível que Obama não considere isso, que já se refletiu na visita a Bagdá, essa semana, do ministro de Relações Exteriores do Irã, Ali Akbar Salehi. 

Mas também aí, outra vez, os “linhas-duras” na Casa Branca, liderados por Dennis Ross, podem ainda insistir na abordagem maximalista, exigindo total suspensão de todas as atividades de enriquecimento de urânio em Teerã, em vez da alternativa de enriquecimento limitado e monitorado (em níveis seguros), em parte por causa dos recentes sucessos que os EUA conseguiram na ampliação das sanções contra o Irã. 

A partir daí, tecendo a já conhecida abordagem “de duas vias”, a Casa Branca pode bem decidir que a via diplomática deve ter substância real, em vez de ser só alguma espécie de braço ativo da outra via, a da coerção e da violência. 

Resposta mais saudável ao convite dos iranianos, para um tour nuclear, seria sinal muito oportuno de que o presidente dos EUA estaria realmente inclinado a dar à diplomacia uma genuína chance.

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