sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

O último ato de resistência da Autoridade Palestina

7/12/2010, Lamis Andoni, Al-Jazeera, Qatar
Traduzido pelo Coletivo da Vila Vudu

Em entrevistas e declarações, e em reuniões privadas, Mahmoud Abbas, presidente da Autoridade Palestina, diz que preside um governo sem autoridade [orig. an authority without any authority] e que, só por existir, a Autoridade Palestina (AP) faz da ocupação israelense “a mais barata de todos os tempos”. 

Abbas esta, simplesmente, chegando à mesma conclusão a que chegaram muitos palestinos, há muito tempo: negociar, sob as atuais condições, não levará ao fim da ocupação israelense, muito menos à criação de um Estado palestino independente.

Em recente entrevista a uma rede de televisão palestina estatal, Abbas alertou que se todos os esforços para estabelecer um Estado palestino fracassarem, ele dissolverá a Autoridade Palestina e exigirá que Israel assuma a responsabilidade pela ocupação. Suas ameaças não são nem manobra nem estratégia claramente planejada. São, antes, expressões de desespero e reflexo do estado de espírito do povo palestino – que vê a Autoridade Palestina como mero agente que facilita a continuação da ocupação israelense, ao mesmo tempo em que livra Israel de responder por suas ações.

Desmantelar a Autoridade Palestina implicará uma volta à situação da ocupação palestina e é movimento que poderá ser usado por Israel como pretexto para escalada na violência contra o povo palestino. Mas os palestinos chegaram ao limite. 17 anos de conversações não impediram nem o roubo de terras pelos israelenses nem a expulsão de palestinos, da própria terra.

Uma batalha de vontades

A ideia de dissolver a Autoridade Palestina tem muitos apoiadores – tanto nos Territórios Palestinos Ocupados quanto entre os palestinos da diáspora. Mas não pode ser feita como um salto no escuro: os palestinos têm de estar preparados para as consequências desse movimento, e é passo a ser dado como parte de uma bem definida estratégia de resistência.

Mas nem Abbas nem seus adversários têm dado sinais de estarem trabalhando para desenvolver essa estratégia – porque, assim como Abbas manifestou seu desencanto, o Hamás vinha dando mostras de maior grau de flexibilidade em face de possíveis resultados das conversações entre israelenses e palestinos, atualmente travadas. Em discurso semana passada, Ismail Haniyeh, primeiro-ministro do Hamás, disse que seu partido estaria preparado para aceitar os resultados de um referendum, caso as negociações avançassem até um compromisso histórico que incluísse o estabelecimento de um Estado palestino nos territórios ocupados na guerra de 1967. 

Não é a primeira vez que o Hamás dá sinais de disposição para aceitar uma solução de dois Estado. O que surpreende é o momento – quando as conversações estão efetivamente congeladas e não há quaisquer esperanças de que sejam reiniciadas. A declaração de Haniyeh sugere que os dois governos, em Ramallah e em Gaza, não vêem como poderão reconquistar a energia e a iniciativa necessária para liderar o povo palestino para fora da situação de estagnação em que vivem hoje.

Abbas sugerira algumas perspectivas. Primeiro, sugeriu que se requeresse ao Conselho de Segurança da ONU o reconhecimento de um Estado palestino. Isso visava a afirmar o status de “territórios ocupados” e, assim, impedir que Israel anexasse as colônias exclusivas para judeus já construídas em territórios palestinos. Depois, discutiu a possibilidade de transferir à ONU a responsabilidade pelos Territórios Palestinos Ocupados. Duas ideias que, evidentemente, seriam obstruídas pelo veto dos EUA, no Conselho de Segurança da ONU.

Mas não há alternativa que os palestinos proponham que possa dar resultado, sem que antes de estabeleça uma unidade nacional e mobilize-se a resistência popular. Haverá uma dura batalha de vontades e os palestinos têm de estar preparados.

Campanha internacional pelo reconhecimento de um Estado palestino tem de basear-se em visão clara e na prontidão para enfrentar as ações de Israel. O simples apoio internacional não levará à criação de um Estado palestino. Decidam o que decidirem – se preferem um Estado ou dois Estados – os palestinos não poderão fugir à batalha contra a ocupação e pelo fim da ocupação sob a qual vivem hoje.

A Autoridade Palestina está preparada?

As opções das quais Abbas fala poriam a Autoridade Palestina face a face ante a ocupação israelense; portanto, a pergunta é a mesma: a Autoridade Palestina está preparada? A resposta parece ser negativa. 

A Autoridade Palestina não pode ser levada a sério, enquanto continuar a acomodar-se às exigências dos israelenses. Israel continua a impedir o livre trânsito de pessoas e de produtos, continua com os raids aéreos e com as prisões na Cisjordânia e em Jerusalém Leste e continua a atacar praticamente todos os dias a Faixa de Gaza. Pré-requisito absoluto, portanto, para qualquer movimento significativo dos palestinos é o fim de qualquer colaboração no campo da segurança entre Israel e a Autoridade Palestina.

A justificativa de Abbas para manter essa colaboração com os israelenses tem sido que, se os palestinos “se comportarem bem”, Israel não terá argumentos mediante os quais justificar a ocupação. Mas, até aqui, o único resultado dessa colaboração tem sido o enfraquecimento da resistência palestina, porque Israel continua absolutamente livre para ações militares e policiais em territórios palestinos, para roubar mais terras e para matar mais gente.

O próximo passo para o Hamás e a Autoridade Palestina é uma genuína unificação – sem a qual, desmantelar a Autoridade Palestina poderá levar a luta altamente destrutiva, pelo poder – baseada num acordo sobre alternativas às conversações já defuntas. Dissolver a Autoridade Palestina pode vir a ser alternativa a considerar dentro desse plano mais amplo, mas só depois de estar formulada uma estratégia política e econômica. 

A Autoridade Palestina atualmente paga salários de 150 mil funcionários; a desconstituição da Autoridade Palestina terá imenso impacto na economia. Antes de a Autoridade Palestina ser criada, a Organização de Libertação da Palestina (OLP) contribuía para ajudar os palestinos a fazer frente às restrições econômicas da ocupação. Deve-se pensar em plano semelhante, envolvendo todos os palestinos – assumindo-se que Estados árabes, como se deve prever que aconteça, não ofereçam apoio financeiro aos palestinos.

É sempre fácil, para os palestinos exilados, com bons empregos, exigir a imediata dissolução da Autoridade Palestina – e também é compreensível, que Israel não seja pressionada para por fim à ocupação, enquanto a ocupação continuar a ser, como até agora, alternativa “barata” para os israelenses. Mas se as lideranças políticas palestinas formularem nova estratégia de resistência, todos os palestinos devem preparar-se para carregar a responsabilidade que lhes caberá. O ônus agora pesa sobre a Autoridade Palestina, à qual cabe iniciar esse processo, e o primeiro passo, indispensável, é bem conhecido de todos: por fim a qualquer contato de coordenação e cooperação com Israel.

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