quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Imperador nu prega “sex by surprise”[1]

8/12/2010, Pepe Escobar, Asia Times Online
Traduzido pelo Coletivo da Vila Vudu

Jamais a informação foi mais livre. Mesmo em países autoritários, 
há redes de informação que ajudam as pessoas a descobrir fatos 
e a exigir mais transparência dos governos.
[Hillary Clinton, secretária de Estado dos EUA, 21/1/2010]


Infelizmente, Julian Assange errou de estrada. Deveria ter escapado para Tora Bora – as montanhas escarpadas do Afeganistão, melhor local do mundo para escapar à ira do imperador, como o comprovam fartamente os ex-ícones da Al-Qaeda, Osama bin Laden e Ayman al-Zawahiri. Sim, sem banda larga; mas, pelo menos, a salvo de golpes sexuais e escândalos; risco, no máximo, de discretas refregas de turbantes com turbantes.

A opinião pública mundial evidentemente percebeu o espetacular contraste entre a bizarra saga sexual sueca de Assange, fundador de WikiLeaks, e a fúria do imperador e de sua subordinada-em-chefe. É matéria prima suficiente para mandar p’ro mato “A vida de Brian de Monty Python” (1979). 

Para delírio daqueles “democratas” que o querem destruído – ou morto –, Assange está firmemente instalado no trono de ícone underground global e passará os próximos dias na prisão Wandsworth, em Londres, que o jornal Guardian descreveu bizarramente como “belo exemplo da arquitetura prisional vitoriana”. O secretário da Defesa Robert (El Supremo do Pentágono) Gates disse que a prisão é “boa notícia”.

O que é bom para o Pentágono não é e jamais será bom para o resto do mundo.

A coisa está esquentando. O thriller pós-prisão de Assange mostrará e esclarecerá tudo que todos precisamos saber sobre o estado da democracia ocidental, avaliada pelo estado de três de supostas democracias-ícones – Grã-Bretanha, Suécia e EUA.

Imaginem se a narrativa-montanha-russa que corre o mundo – incluindo caçada histérica à bruxa (pirata) – estivesse acontecendo na China, na Rússia ou, que os aiatolás nos protejam, no Irã!

O imperador – e seus subalternos – mal podem esperar para voltar à rotina dos negócios, como a um oceano de hipocrisia jamais contaminado pela luta vale-tudo-na-lama que, como WikiLeaks revelou , é, afinal de contas, o que “a diplomacia faz” de fato.

No instante em que o autocomplacente Ocidente – esse sempre feliz eterno pós-fim-da-história – encara uma transgressão totalmente nova e radical, sua resposta é tentar virar pelo avesso o conceito de liberdade de informação. O imperador está desgostoso: Quem são esses “criminosos” – WikiLeaks – que se atrevem a roubar o nosso direito de só nós declararmos o que somos?

Sexo, mentiras e nenhum videoteipe
  
Como disse Mark Stephens, advogado londrino de Assange, falando a Asia Times Online News no fim-de-semana: os procuradores suecos caçam Assange “não por alguma acusação de estupro, como disseram antes”, mas por prática conhecida como “sex by surprise”, a qual, disse Stephens “envolve multa de 5.000 kronor, cerca de 715 dólares”. Stephens acrescentou que “nem sabemos o que significa “sex by surprise”. Ninguém nos falou sobre isso.”

Sex by surprise” é prática definida como agressão exclusivamente na Suécia.

Há quatro acusações no thriller Assange; uma “Miss A”, 31, loura, feminista e social democrata, autora de um tratado sobre como se vingar dos homens, aparece como vítima de “coerção ilegal”; depois, de sexo com camisinha defeituosa; depois, de “molestação deliberada”. Finalmente, aparece a acusação de “sexo por surpresa” com uma “Miss W”, 27, fotógrafa de arte e fanzoca confessa de Assange.

“Miss A” deve ter gostado da confusão, porque, no dia seguinte, depois de a camisinha ter rebentado pela primeira vez, ela e Assange foram vistos juntos. E quanto a “Miss W”, foi ela quem convidou Assange ao seu apartamento – e até pagou-lhe a passagem de trem. Durante a viagem, Assange deu sinais de preferir seu computador à companhia da moça – nos termos da declaração da fanzoca rejeitada, à Polícia. Depois houve sexo, sim – e sem camisinha.

Supondo-se que essa seja a história real, Assange também poderia processar a moça; a fanzoca tão cheia de recursos deveria ter-lhe fornecido, além da passagem de trem, também a camisinha. Seja como for, uma coisa já está clara: longe vão os tempos em que havia suecas livres, independentes e sempre invejadas, já evidentemente substituídas por puritanas mais perigosas que mísseis teleguiados.

A coisa virou “assunto de garotas”. As duas mulheres reuniram-se para trocar impressões – e perceberam que tinham algo em comum: as duas partilharam o leito com Assange. Foi quanto “Miss W” sentiu-se terrivelmente perturbada com aquele “sexo sem proteção” e decidiu ir à Polícia com “Miss A”. O primeiro procurador – de fato, uma procuradora – expediu mandato de prisão por “estupro e molestação”. Dia seguinte, outra procuradora cassou o mandato de prisão. Até que a atual procuradora – também mulher – reabriu a investigação sob o argumento de que haveria “informação nova”.

O grande jornalista John Pilger, o qual, com o legendário diretor de cinema Ken Loach e outros ofereceram-se ao tribunal em Londres para pagar mais de $280 mil dólares, como parte da fiança de Assange[2] (depois, o direito à fiança foi negado), falou e foi diretamente ao que interessa: 

“As acusações contra Assange na Suécia são absurdas e foram consideradas absurdas pela Procuradora-chefe sueca, que já havia encerrado o caso, até que uma figura política importante entrou em cena, e o caso foi reaberto”. Na calçada, à frente do tribunal de Westminster, Pilger resumiu tudo: “Os suecos deveriam ter vergonha do que fizeram.”

Nada confirmado até agora, mas especula-se que a tal “figura política importante” talvez tenha as maneiras sombrias do velho estilo da velha CIA. Mas a parte mais absurda é que a própria “Miss A” contou a um tablóide sueco que jamais pensara ou desejara acusar Assange de estupro. Talvez devesse contar também à nova Procuradora. O que mais importa é que Stephens, advogado de Assange, disse já várias vezes que seu cliente permaneceu na Suécia durante 40 dias, oferecendo-se para depor ante a Procuradora e contar sua versão dos acontecimentos.

Em toda a Europa, as leis listam 32 violações – estupro é uma delas – que autorizam extradição. Os britânicos estão apenas cumprindo um pedido de extradição da Justiça sueca. Advogados europeus têm dito que, agora, o melhor para Assange é aceitar a extradição e esperar as decisões da Justiça sueca.

Campeões das liberdades

A jogada do “sex by surprise” não poderia ser mais adequada e conveniente para um sistema “ocidental democrático” que viciosamente tenta calar WikiLeaks a qualquer custo.

Assange inicia o artigo que publicou essa semana no The Australian [7/12/2010, “A verdade ganhará sempre”, trad. em com uma martelada: “Em 1958, um jovem Rupert Murdoch, então proprietário e editor de The News de Adelaide, escreveu: “na corrida entre segredo e verdade, parece inevitável que a verdade ganhe sempre”.

Compare-se com o que a secretária de Estado dos EUA Hillary Clinton escreveu em artigo publicado na revista Foreign Policy no início de 2010:


“Consideradas nelas mesmas, as novas tecnologias não escolhem lado na luta pela liberdade e pelo progresso. Mas os EUA, sim, escolhem. Defendemos uma única Internet na qual toda a humanidade tenha acesso ao conhecimento e a ideias. E reconhecemos que a infraestrutura de informação muncial será o que nós e outros fizermos dela. Esse desafio talvez seja novo, mas nossa responsabilidade para garantir o livre intercâmbio de ideias nasceu quando nasceu nossa República. As palavras da Primeira Emenda da Constituição [que garantem plena liberdade de expressão] estão gravadas em 50 toneladas do mármore do Tennessee à frente desse prédio. E todas as gerações de norte-americanos trabalharam para preservar os valores gravados naquela pedra.”

O que os dados realmente mostram

O que os dados mostram realmente é que Clinton – diferente de Assange e do jovem Murdoch – está sendo soterrada por 50 toneladas de mármore do Tennessee. “Livre intercâmbio de ideias?!”

Nesse momento, a ditadura militar em Myanmar, o presidente do Uzbequistão Islam Karimov, o pacote sortido de ditadores/autocratas aliados dos EUA no Oriente Médio e a liderança em Pequim devem estar pensando com seus botões que ‘tudo bem’ se se puserem a perseguir uma página de Internet, provedor, mecanismos de doação e de manutenção e ameaçar estrangeiros com mandatos de prisão – simplesmente porque não gostam do que o site publica. O imperador declarou ao mundo: ou faz do meu jeito, ou cai fora (a estrada da não-informação é serventia da casa).

Os telegramas WikiVazados sugerem – outra vez – que a Arábia Saudita é a caixa de autoatendimento bancário que atende todo mundo, da al-Qaeda às facções dos Talibã. Mas por aqui, da Amazon e eBay a PayPal, Visa e Mastercard, todos também se ajoelharam ante o furioso imperador que quer porque quer porque quer calar um Blog.

O governo dos EUA sequer registra que a Espanha pode decidir extraditar George “Dábliu” Bush por crimes de guerra; mas todos os breques foram acionados e inúmeras leis talvez também já estejam sendo quebradas, para conseguir que Assange seja extraditado (Atenção: a extradição é impossível, nos termos das leis norte-americanas de espionagem atualmente vigentes). E, isso, feito por um governo que, já passados nove anos, continua incapaz de encontrar os “terroristas” que, segundo a narrativa oficial teriam assassinado mais de 3.000 pessoas!

“Sex by surprise” e outras acusações derivadas forjadas talvez mantenham Assange na prisão. Mas ele não morrerá por isso, nem a prisão do mensageiro fará calar a mensagem.

Todos os telegramas vazados estão perfeitamente acessíveis na Internet, via BitTorrent – são totalmente virais (reproduzidos em 748 sites espelho até agora; e o número continua aumentando). Depois disso, dois, três, um milhão de assanges brotarão da terra.

E esses novos assanges já terão aprendido mais uma lição: se você quer exibir o imperador nu, aprenda a tomar, com seus parceiros de sexo, os mesmos cuidados que toma com as suas fontes. 

NOTAS
[1] “Segundo amigos e amigas suecos, sex by surprise seria tradução para o inglês de uma expressão de gíria em sueco – “överraskningssex” – utilizada em piadas de caráter sexual, ou para negar que tenha havido estupro (Blog Rue89, Paris, 8/12/2010,).
[2] Sobre isso ver “Realizador Ken Loach ofereceu-se para pagar parte da fiança de Julian Assange”, 8/12/2010, Jornal de Notícias, Portugal.

Um comentário:

  1. Nem tudo é Ingmar Bergman por lá, ou melhor, tudo por lá é, sim (com umas pitadas de Alf Sjöberg e Bo Widerberg): não esqueçamos a metralha de estivadores em greve, em Adalen (1931); o país "neutro", durante o conflito de 1939-45, na Europa, pelo qual as tropas de Hitler transitaram livremente para atacar e ocupar a Noruega; ou onde a direitíssima chegou ao poder, faz poucos meses. Sob o ponto de vista sexual, by surprise or not, também recentemente foram divulgadas as intensas e reiteradas aventuras de SM o Rei Carlos Gustavo XVI, aquele mesmo que se casou com uma "brasileira". Seriam de deixar enrubescido nosso D. Pedro I (IV de Portugal)...

    Abraços do
    ArnaC.

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