quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

É O BOTO, SINHÁ!

*José Flávio Abelha

Lá prás bandas do Amazonas quando uma donzela aparece embuchada sua mãe vai logo informando: Foi o Boto, Sinhá.

Do lado de cá, qualquer produto que esteja com o preço embuchado o vendedor, seja ele capitão de indústria ou o birosqueiro, vai logo explicando que é o Custo Brasil.

Barriga aumentada no norte é Boto. Preço aumentado no sul é Custo Brasil.

Quando o grande Ary Barroso e outros compositores do mesmo quilate se rebelaram e criaram uma nova associação arrecadadora de direitos autorais não havia o tal de custo Brasil nem camelôs vendendo aquelas bolachas feitas com cera de carnaúba.

Tim Maia com a sua Vitória Régia e o conterrâneo Agnaldo Timóteo, pessoalmente, vendendo seus discos numa barraca na Cinelândia também não estavam preocupados com o custo Brasil.

O psicanalista Carl Weismann ao ver numa vitrine de famosa livraria paulista a 2º edição de um de seus principais livros, A Conquista da Maturidade, assustou-se; não com o preço movido a Custo Brasil, mas pelo fato de haver uma segunda edição que ele desconhecia.

Em junho de 2005 eu estava caminhando na Gran Via, em Madrid, quando meu filho deu um alerta quase sorrindo: olhe para a calçada. Na minha frente, uns 20 metros de CDs esparramados no chão. Nada de mesinha, mas lençol amarrado nas pontas para facilitar a fuga da fiscalização. Na esquina, uma banca de jornal estampava a revista CAPITAL com 14 páginas sobre a pirataria na Espanha.


Nessa época, visitei boa parte da Europa. Em cada Capital, a camelotagem ali, firme com produtos das grifes mais sofisticadas. Minha mulher comprou uma bolsa de couro naqueles dois ou três quilômetros de barracas de camelôs em Florença e, chegando aqui, todas as amigas queriam saber quanto custou aquela preciosidade.

Em Moscou, centenas de camelôs, em Veneza; na belíssima Praça de São Marcos, sala de visitas do mundo como teria dito Napoleão, camelôs vendendo gravatas tão sofisticadas que o cidadão gostaria de usá-las ao avesso para exibir a etiqueta; em Londres, a mesma coisa com aquela notável Rua Porto Belo; em Lisboa a Feira da Ladra é atração turística das mais visitadas, coisa parecida com a nossa “robauto de Acari (RJ-RJ)”.

A Academia de Ciências Cinematográficas, aquela que distribui o OSCAR, entregava a cada jurado um pacote de filmes para julgamento e notas. Alguns filmes já estavam sendo exibidos outros eram inéditos. Tão logo eram entregues as cópias aos seriíssimos juízes, os camelôs dos EUA, imediatamente, estavam nas ruas vendendo cópias piratas dos “inéditos”. Houve o maior ti-ti-ti e, se não estou enganado, a Academia começou a distribuir os filmes, desde 2009, com uma “chave” que evita cópias... piratas.

Bastou um órgão representante do comércio brasileiro anunciar o resultado de uma pesquisa, na qual ficou apurado que mais ou menos a metade dos brasileiros compra objetos nas barracas da camelotagem para que o jornalista Alexandre Garcia armasse um programa para combater a pirataria e, subliminarmente, fazer propaganda do filme Tropa de Elite 2. E deitou falação, um discurso ético onde obrou duas pérolas.

Rompeu com um amigo que lhe dissera haver comprado um DVD pirata e, em um restaurante com amigos, foi abordado por um cidadão que lhe ofereceu uns CDs e DVDs... genéricos. Disse o antigo porta-voz do ditador Figueiredo que o sangue ferveu, alterou-se, “trepou nas tamancas” e vociferou para os demais comensais nas outras mesas: “não comprem o produto desse cidadão, um criminoso”.

O antigo porta-voz da ditadura anda mal de amizades e de casa-de-pasto. Em um razoável restaurante um camelô não entra para vender tais produtos; só tem livre ingresso nos PF's da vida, comida-por-quilo, botecos e que tais.

Mas o porta-voz, aquele que se deixou fotografar de cuecas para a revista Ele&Ela não tem condições de ficar fazendo discursos de ética. Não colocou o dedo na ferida que é a ganância emprenhando os preços e culpando a palavra da moda, o Custo Brasil.

Ali na esquina um pé-de-chinelo vende um CD mal e porcamente copiado em micro movido a carvão, mas que reproduz com fidelidade o que foi gravado no original por 5 REAU. Nas lojas, cinquentinha. DVDs pelo mesmo preço. E por aí vão os preços das outras mercadorias.

Mas o antigo porta-voz do ditador João “Cheiro-de-Cavalo” não acusa o preço do mercado, a ganância, l’appât du gain que são enormes. Quer é o combate policial ao camelô que trocou a venda dos papelotes de cocaína e crack por umas míseras cópias de músicas e filmes ou que o brasileiro pague caro produtos originais para enriquecer mais depressa o comerciante.

Produtos originais que chegam contrabandeados e são vendidos nas elegantes lojas das DASLÚS paulistanas...e ninguém vai preso!
Mas seu Garcia não tem coragem de apresentar solução alguma. Não denuncia nada. Só critica com um sorriso fajuto no canto da boca.

Voltei, agora, à Espanha. Não vi camelôs acintosos. Alias, pensando bem, nem os vi. Ao contrário, comprei na El Corte Inglés uma coleção completa DE TODAS AS OBRAS DE BEETHOVEN, um pacote com 85 (eu disse oitenta e cinco) CDs por 49,90 Euros. Tudo da melhor qualidade. E mais pacotes de música clássica e popular, cantores e orquestras, a preço de banana. Não comprei uma pá de DVD's porque não são compatíveis.

Está aí a porta para o combate à pirataria, aquela denunciada na revista de 2005.

Preço baixo para combater a pirataria é a solução, a salvação da lavoura!

Pirataria essa que ninguém vê nas ruas brasileiras nem nas locadoras e muito menos vendida pelos camelôs. Mistério!

Pedindo vênia ao Cloaca News, este rodapé para que leitoras e leitores saibam um pouco do ético senhor Garcia:

"Na reportagem da Ele & Ela, que exibiu o jornalista deitado em uma cama, de cueca, cuidadosamente recoberto por uma felpuda toalha, Garcia revelou que era ali que ele "abatia suas lebres", aludindo à locução cunhada por Carlos Imperial para referir-se às mulheres com quem mantivera conjunções lascivas.

Fiel à sua tradição de matar a cobra, o Cloaca News apresenta agora, diretamente de seu baú de bizarrices, a lúbrica pose do homem em seu leporídeo matadouro ".


*Mineiro, autor de A MINEIRICE e outros livretes, reside na Restinga de Piratininga/Niterói, onde é Inspector of Ecology da empresa Soares Marinho Ltd. Quando o serviço permite o autor fica na janela vendo a banda passar.

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