sexta-feira, 5 de novembro de 2010

“Sic transit gloria” Obama

5/11/2010, Pepe Escobar. Asia Times Online - Sic transit Gloria Obama
Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu

Quer dizer então que o presidente dos EUA Barack Obama admitiu publicamente que ele e seu partido tomaram “uma surra braba” [orig. “a shellacking”] – e que há “modos mais fáceis” para aprender lições políticas... 

Assim sendo, pode-se perdoar um mundo globalizado e atônito, por ceder à tentação de reduzir a política dos EUA a um desenho animado digital – com o movimento “Tea Party” à direita; incendiários e terroristas à esquerda; e massas estúpidas e incoerentes, além de furiosas, presas entre os extremos. (Para o movimento “Tea Party”, não um governo ou um Estado, mas qualquer governo e qualquer Estado, são o mal-em-si, absolutamente equivalentes a terroristas e incendiários; e Obama é, no mínimo, um Republicano light.) E tudo isso, em contexto tóxico, no qual a Suprema Corte dos EUA já virtualmente impôs cerco total à democracia, ao permitir que qualquer empresa financie sem limite ou controle campanhas eleitorais de seus candidatos. 

O “mapa do caminho” que a direita norte-americana usou nos últimos dois anos só tinha uma diretriz: declarar o abissal fracasso do governo Obama desde 20/1/2008, e não mover uma palha para ajudar o país a salvar-se do lodaçal político, econômico e cultural em que esperneia. Agora – pelo menos em teoria –, os eleitores parecem que decidiram denunciar o blefe da direita. 

Mas... será que foi isso? Falar sobre incoerência é muito, muito pouco. Os norte-americanos declararam em pesquisas de boca de urna que culpam, em partes praticamente iguais, Wall Street (35%), Bush (30%) e Obama (23%) pelo desastre econômico em curso nos EUA. Obama majestosamente ferrou tudo e todos, quando optou por ‘resgatar’ Wall Street da maneira como fez. Mas agora os eleitores decidiram passar a coroa para um bando de palhaços e escroques que, antes de Obama, construíram a hecatombe – dentre outras causas, porque apoiaram os cortes de impostos para os mais ricos inventados por George W Bush, e três guerras trilhonardárias e que os EUA jamais vencerão. O lacrimoso John Boehner – provável futuro presidente da Câmara de Deputados – é muito intimamente ligado aos lobbyistas da finança (mas... onde está a novidade?!). Os norte-americanos raivosos elegeram – mais uma vez – Wall Street. 

Palhaços à esquerda, joões-bobos à direita

O xis dessa (triste) questão é que Obama e os Democratas nem se esforçaram para corresponder às grandes esperanças despertadas, em 2008, quando daquele surto coletivo de “Mudanças nas quais possamos crer”. Semearam as sementes da própria derrota. Não surpreende que tenham sido abandonados em massa pelos jovens, pelas minorias étnicas, pelos pacifistas, pelos ambientalistas, enquanto, simultaneamente, massas de centristas, moderados e independentes, todos igualmente irados, tenham procurado refúgio na direita. Some-se a isso a credulidade tola dos eleitores, manipulados pela imprensa das corporações. 

Caberá aos eleitores decidir se Obama 2.0 ficará preso à arapuca de Washington, avesso ao diálogo e cada vez mais isolado, ou se – como Obama insistiu na conferência de imprensa na Casa Branca na 4ª-feira – ele andará cada vez mais para a direita, fazendo concessões a Republicanos que jamais fazem ou farão qualquer tipo de concessão. Nos dois casos, em EUA cada vez mais modelados como plutocracia neofeudal, segundo padrões e critérios do poder das corporações, o lado perdedor já é e cada vez mais será o que ainda se chama convencionalmente de “democracia”.

É absurdo esperar que Obama venha a conectar-se repentinamente ao Martin Luther King interior, que repentinamente se ponha a andar sobre as águas e que lidere as massas até a Terra Prometida, se a maioria absoluta dos trabalhadores e da classe média norte-americana – manipulada por agentes de interesses específicos, e inoculada pela grande mídia com dogmas conservadores como, dentre outros, que pagar impostos seria estupidez – já nem sabem mais, hoje, o que apóiam e o que não apóiam.

O beijo da morte

Nessa terra esterilizada e seca, pelo menos para os progressistas, a Califórnia funcionará como prêmio de consolação – Jerry Brown está de volta ao palácio do governador, depois de ter pulverizado Meg Whitman, bilionária Republicana e ex-presidente executiva de eBay (por dez anos), que supôs que pudesse comprar, literalmente, a própria eleição e gastou espantosos $142 milhões na campanha, a maior parte dos quais dinheiro de sua fortuna pessoal (“responsabilidade fiscal” é isso!) numa campanha ultranegativa e ultra-agressiva. 

Apesar de alguns de seus proteges na Câmara de Deputados terem-se saído satisfatoriamente bem, fato é que na maioria dos casos o discurso de Sarah (“Da minha janela vejo a Rússia!”) Palin funcionou como o beijo da morte – nos estados de Delaware, Colorado, California, Nevada, West Virginia e Alasca.

Os doidos mais doidos do “Tea Party” que concorreram ao Senado foram retumbantes fracassos – como Christine (“A bruxa”) O'Donnell em Delaware. Em Nevada, Sharron Angle fracassou no desafio ao líder da maioria Democrata no Senado Harry Reid, essencialmente porque fez campanha ultrarracista, anti-latinos, em estado no qual o voto dos latinos é decisivo (Reid recebeu 75% desses votos). Angle e O'Donnell tornaram-se rostos conhecidos em todo o país, como doidas varridas. 

Como no caso de Rand Paul, eleito senador Republicano pelo Kentucky, mentes analíticas racionais e confiáveis já suspeitam de que o eleito esteja em surto de mais do que pânico. O discurso da vitória de Paul foi puro populismo de direita fundamentalista – e falou do governo e do Estado, em tons apocalípticos, como menos do que absolutamente inúteis. Se Paul ajudar a empurrar a próxima votação no Senado na direção de aumentar a dívida interna dos EUA, deve-se temer que consiga empurrar todo o país rumo à falência, provocar mais depressão e exportar o inferno – choro e ranger de dentes – econômico para todo o planeta. 

“Tá p’ra lá de bom, pr’um calouro!

O teste de realidade para o movimento “Tea Party” acontecerá se optarem por abandonar a segurança do blá-blá-blá sem nexo contra impostos, o Fed, “comunistas do mal”, variado estoque de teorias de conspirações e “ação legislativa” para cassar a cidadania de Obama (porque não seria nascido nos EUA), e decidirem propor políticas que façam (algum, qualquer) sentido para aprimorar o sistema. Nada garante que escolham a segunda via.

Flash forward até 2012; ao som de Aretha Franklin cantando See Saw, de Don Covay – ouve-se gravação de 1968, em:


e vê-se e ouve também em:


gravação do autor, em:


“[seu amor] going up, down, all around/ like a see saw” [seu amor sobe e desce, todo o tempo, como gangorra” – legiões de eleitores norte-americanos acabarão por perceber que jogaram ao lixo um saco cheio de políticos inúteis, apenas para substituí-los por outro saco cheio de políticos inúteis e mancos.

Todo o cuidado é pouco: há um Obama branco!

A imprensa norte-americana das corporações não dá um pio, mas Obama tem, sim, muito com o que se se preocupar: há um seu avatar branco – Marco Rubio, que foi eleito senador pela Florida. Rubio, 39, é inteligente, bonitão, bom orador, promete o mundo e mais às pessoas e “American Dream” não faz outra coisa além de repetir sua biografia romanceada.

Nascido em Miami, criado em Vegas (onde seus pais, exilados cubanos pobres, ganharam a vida como empregados de hotel), craque de futebol, aluno que trabalhou para pagar os próprios estudos, formado em Direito, católico, esposa loura de família colombiana, quatro filhos – e, presente de Deus ao establishment – Rubio nada tem de doido varrido (embora Palin seja incondicionalmente apaixonada por ele).

Mike Huckabee – ex-candidato a presidente e hoje fofoqueiro-executivo chefe do canal Fox – diz que Rubio é “nosso Obama, com muito mais conteúdo”. Crucialmente importante, o padrinho político de Rubio é ninguém menos que Jeb Bush.

O establishment Republicano jamais, em nenhum caso, permitirá que Palin obtenha a indicação do partido como candidata à presidência (nunca, em nenhum caso, nem passando por cima de seus cadáveres). Rubio pode ser a salvação para os Republicanos em 2012. 

Um Obama gaguejante e inepto permitiu que os Republicanos escapassem à pena capital – porque não permitiu que fossem julgados pelo atoleiro financeiro/econômico em que lançaram o país e, como se não bastasse, deixou que explorassem a seu favor a ira e a revolta provocadas pelas “políticas” deles, dos próprios Republicanos. Agora, depois da “surra braba”, é mais que hora de o presidente mostrar que tem cojones e ir pra cima, jogar no ataque. Poderia começar por demitir todos seus assessores na Casa Branca. Não. Obama não fará nada disso. Anotem aí: o Obama branco vai jantar o Obama negro, com casca e tudo, em 2012.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Registre seus comentários com seu nome ou apelido. Não utilize o anonimato. Não serão permitidos comentários com "links" ou que contenham o símbolo @.