sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Antiga chefe do MI5 Arrasa defesa de Blair sobre a Guerra do Iraque

Antiga chefe do MI5 Arrasa defesa de Blair sobre a Guerra do Iraque

Andy McSmith*
08.Out.10 :: Outros autores
Andy McSmith
Se dúvidas houvesse sobre as mentiras do Tony Blair para justificar as aventuras belicistas do imperialismo – que as não há – elas ficavam totalmente dissipadas com as revelações deste artigo de Andy McSmith.


A afirmação de Tony Blair no Inquérito Chilcot de que afastar Saddam Hussein contribuiu para livrar a Grã-Bretanha de terroristas foi ontem desmentida categoricamente pela antiga diretora do MI5.

Ao depor no mesmo inquérito, Eliza Manningham-Buller revelou que, após a invasão do Iraque, apareceram tantos alertas para ameaças de terroristas caseiros que o MI5 pediu – e obteve – um aumento de 100 por cento no seu orçamento. A baronesa Manningham-Buller, que foi diretora-geral do MI5 em 2002-2007, disse ao painel Chilcot que o MI5 começou a receber um volume de relatórios “substancialmente” mais alto sobre a adesão de jovens muçulmanos britânicos à al-Qaida.

Disse ainda no inquérito: “O nosso envolvimento no Iraque radicalizou, no desejo de um mundo melhor, toda uma geração de jovens – parte de uma geração – que encararam o nosso envolvimento no Iraque e no Afeganistão como um ataque ao Islã”.

E acrescentou: “Podemos dizer que demos a Osama bin Laden a sua jihad iraquiana de tal modo que ele conseguiu penetrar no Iraque como não o tinha conseguido fazer anteriormente”.

Estas palavras estão em profunda contradição com a afirmação que Tony Blair fez perante o mesmo inquérito em 29 de Janeiro. O antigo primeiro-ministro disse a Sir John Chilcot: “Se me perguntarem se eu acho que estamos em maior segurança, que o Iraque está melhor, que a nossa segurança é melhor, desde que Saddam e os seus dois filhos estão longe dos seus cargos e longe do poder, acredito que sim, que de fato estamos. Foi melhor acabar com essa ameaça, afastá-lo do cargo, e acredito sinceramente que, em consequência disso, o mundo está em maior segurança”.

Mas o testemunho prestado por Lady Manningham-Buller não põe apenas em causa a credibilidade de Tony Blair, também contesta o governo de coligação, alertou Lord Carlile of Berriew, um liberal democrata que tem atuado desde 2005 como revisor independente das leis antiterroristas. Disse ao The Independent: “De fato acontece que a ameaça e o número de terroristas caseiros – e terroristas ‘não caseiros’ que vêm para o Reino Unido – aumentou depois da guerra do Iraque.”

“Isso torna difícil a vida tanto para o antigo governo, que tem que responder às críticas, como para o atual governo. Torna a revisão da atual lei antiterrorismo uma tarefa delicada porque não há indícios de qualquer redução significativa das ameaças. Continuamos onde sempre estivemos”.

Sir Menzies Campbell, antigo chefe dos liberais-democratas, acrescentou: “Ficaria espantado se Tony Blair voltasse para prestar outro depoimento, mas mantém-se a interrogação quanto ao que é que o levou a desprezar as reservas de funcionários e os seus conselhos. Se a Grã-Bretanha tivesse sido tão bem servida pelos seus políticos como foi por Eliza Manningham-Buller, nunca nos teríamos envolvido nessa trapalhada ilegal do Iraque”.

Lord West, que foi ministro do contraterrorismo no Home Office no tempo de Gordon Brown, disse à BBC que “não tinha dúvidas” de que a guerra no Iraque aumentou a ameaça de terrorismo no Reino Unido, que atingiu o governo como uma “onda de proa” em 2003.

Ken Livingstone, que era Prefeito de Londres na época das explosões bombistas de 7 de Julho, disse: “O depoimento de Eliza Manningham-Buller é uma denúncia condenatória duma política externa que não só agravou significativamente o risco de ataques terroristas em Londres como deu à al-Qaida a abertura para também funcionar no Iraque”.

Antes de 2003, a preocupação do MI5 era a possibilidade de que terroristas estrangeiros se pudessem infiltrar no Reino Unido. Posteriormente, Lady Manningham-Buller afirmou: “Apercebemo-nos de que o perigo não eram os estrangeiros. A ameaça crescente que apareceu foi uma ameaça de cidadãos britânicos e isso criou um cenário muito diferente do de impedir a entrada de mais gente. Era o que agora designamos por caseiros”.

Acrescentou: “Ficamos bem atolados – possivelmente isto é um exagero – mas fomos sobrecarregados com informações em grande escala que eram em muito maior quantidade do que aquela com que podíamos lidar em termos de conspirações, pistas para conspirações e coisas que tínhamos que perseguir.”

“Em 2003 considerei necessário pedir ao primeiro-ministro o dobro do nosso orçamento. Isso era uma coisa impensável, mas tanto ele como o Tesouro e o Chanceler aceitaram-no porque eu pude demonstrar a escala do problema”.

O painel Chilcot publicou um documento até aí confidencial que considerava que a antiga directora do MI5 pura e simplesmente não estava a ser discreta após esse incidente. Um ano antes de as tropas britânicas irem para o Iraque, ela enviara ao Home Office um memorando que – embora redigido em linguagem oficial – deitava abaixo a ideia de que o regime de Saddam Hussein representava uma ameaça terrorista credível para o Reino Unido.

Num memorando para John Gieve, secretário permanente no Home Office, em Março de 2002, Lady Manningham-Buller dizia-lhe que não era provável que Saddam usasse armas químicas ou biológicas a não ser que “sentisse que estava em perigo a sobrevivência do seu regime”.

O memorando prosseguia: “Consideramos que a capacidade iraquiana de organizar ataques no Reino Unido atualmente é limitada”.

Lady Manningham-Buller também apontava para uma tensão entre o gabinete de Tony Blair e o MI5 quanto ao dossier que o primeiro-ministro apresentou ao Parlamento em Setembro de 2002, para preparar a opinião pública para a probabilidade da guerra.

“Pediram-nos para lhe introduzir algumas informações menores mas recusamo-nos porque achamos que não eram fiáveis”, afirmou ela.

Provas: O que ele disse – e o que ela disse.

Afirmações falsas quanto a ligações entre a al-Qaida e Saddam Hussein.

Tony Blair afirmou em 21 de Janeiro de 2003:

“Há alguns indícios de informações sobre ligações soltas entre a al-Qaida e diversas pessoas no Iraque… Não seria correcto dizer que não há indícios de quaisquer relações entre a al-Qaida e o Iraque”

O porta-voz do Foreign Office afirmou em 29 de Janeiro de 2003:

“Cremos que tem havido, e ainda há, alguns operacionais da al-Qaida em partes do Iraque controladas por Bagdade. É difícil imaginar que eles estão ali sem o conhecimento e aceitação do governo iraquiano”.

Eliza Manningham-Buller, antiga directora do MI5, ontem:

“Não havia quaisquer informações credíveis que sugerissem essa relação e podia afirmar que era essa a opinião da CIA”.

“Informações” deficientes, apanhadas a esmo

Blair, na Câmara dos Comuns, em 24 de Setembro de 2002:

“O serviço de informações chegou à conclusão de que o Iraque tem armas químicas e biológicas, que Saddam continuou a fabricá-las, que tem planos militares atuais e activos para a utilização de armas químicas e biológicas, que podem ser ativadas em 45 minutos; e que está a tentar ativamente a adquirir capacidade de armas nucleares…”

Blair, na Câmara dos Comuns, em 25 de Fevereiro de 2003:

“As informações são claras: Ele [Saddam] continua a pensar que o seu programa de armas de destruição maciça é essencial tanto para a repressão interna como para a agressão externa. Os agentes biológicos que cremos que o Iraque é capaz de produzir incluem o antrax, a botulina, a toxina, a aflatoxina e o rícino. Todos eles acabam por provocar uma morte terrivelmente dolorosa”.

Manningham-Buller, ontem:

“A natureza do serviço de informações – é uma fonte de informações, raramente estão completas, é necessário confirmá-las, são fragmentárias… Pediram-nos para lhe introduzir algumas informações menores [no dossier de Setembro de 2002], mas recusamo-nos porque achamos que não eram confiáveis”.

O Iraque não constituía nenhum risco para a Grã-Bretanha

Blair, na Câmara dos Comuns, em 10 de Abril de 2002:

“Saddam Hussein está aperfeiçoando armas de destruição maciça, e não podemos permitir que ele faça isso sem ser controlado. Ele é uma ameaça para o seu próprio povo e para a região e, se lhe permitirmos aperfeiçoar essas armas, também será uma ameaça para nós”.
Manningham-Buller, ontem:
“Considerávamos a ameaça direta do Iraque como baixa… achávamos que ele não tinha possibilidade de tentar alguma coisa no Reino Unido”.

Disse-se aos ministros que a invasão do Iraque iria aumentar a ameaça do terrorismo na Grã-Bretanha.

Blair, discurso de despedida na conferência do partido Labour, em 26 de Setembro de 2006:

“Este terrorismo não é culpa nossa. Não fomos nós que o provocámos. Não é uma consequência da política externa”.

Manningham-Buller, ontem:

“Foi comunicado através das análises do JIC, em que eu colaborei… penso que eles [ministros seniores] os leram. Se os leram, não podiam ficar com dúvidas”.

A guerra do Iraque tornou a Grã-Bretanha num local mais perigoso e permitiu que a al-Qaida ganhasse influência no Iraque.

Blair, em 29 de Janeiro de 2010:

“Se me perguntarem se eu acho que estamos em maior segurança, que o Iraque está melhor, que a nossa segurança é melhor, acredito que sim, que de facto estamos. Em consequência disso, o mundo está em maior segurança”.

Manningham-Buller, ontem:

“O nosso envolvimento no Iraque radicalizou uma geração de jovens que encararam o nosso envolvimento no Iraque e no Afeganistão como um ataque ao Islã. Nós [o MI5] estávamos bem atolados… com informações em grande escala que eram em muito maior quantidade do que aquela com que podíamos lidar em termos de conspirações, pistas para conspirações e coisas que tínhamos que perseguir. Demos a Osama bin Laden a sua jihad iraquiana de tal modo que ele conseguiu entrar no Iraque como não o tinha conseguido fazer anteriormente”.

As conspirações pós Iraque
Explosões bombistas de 7/Julho - 2005

As bombas que explodiram nos comboios subterrâneos e num trem em Londres em Julho de 2005 mataram 52 pessoas do público e feriram cerca de 700. Três dos quatro bombistas suicidas tinham nascido em Yorkshire; o quarto, nascido na Jamaica, chegou ao Reino Unido com cinco anos. No seu vídeo, um dos bombistas afirmou: “Os vossos governos democraticamente eleitos cometem atrocidades permanentemente”.

Bilal Abdulla, médico, e Kafeel Ahmed, estudante de engenharia, tentaram e falharam a colocação de bombas no exterior de um clube noturno londrino em 29 de Junho. No dia seguinte guiaram um jipe cheio de latões de gasolina até ao aeroporto de Glasgow. No julgamento de Abdulla, este afirmou que se tinha envolvido “por causa dos acontecimentos no Iraque”.

Conspiração das bombas líquidas – 2006

Foi descoberta uma conspiração terrorista em que iriam ser escondidas bombas líquidas em aviões comerciais. Muitos dos homens fizeram vídeos “suicidas” citando a política externa britânica. Umar Islam disse no seu vídeo: “Se julgam que podem entrar no nosso país e fazer o que estão fazendo no Iraque, no Afeganistão e na Palestina e… pensam que isso não vai acontecer à vossa porta, vão ver acontecer outra coisa”.

*Jornalista do The Independent
Este texto foi publicado no jornal britânico The Independent (em 21 de julho de 2010)
Tradução de Margarida Ferreira para o Diário.info