quinta-feira, 2 de setembro de 2010

A terceira vitória de Lula


Raúl Zibechi *

Ao faltar pouco mais que um mês para as eleições presidenciais no Brasil, a candidata proposta e patrocinada por Lula, Dilma Rousseff, leva vantagem suficiente para ganhar no primeiro turno, em 3 de outubro próximo. A pesquisa DataFolha difundida no fim de semana passado constata Dilma com 47% frente a 30% do socialdemocrata José Serra e 9% para a ecologista Marina Silva nas intenções de voto. Parece impossível descontar essa diferença em apenas um mês, sobretudo porque sua candidatura vem crescendo sem parar há mais de um ano.

A ascensão de Rousseff é assombrosa: há três meses estava empatada com Serra; há um ano tinha somente 16% das intenções de voto, enquanto Serra ostentava mais de 40%; notem que no início de 2009 tinha apenas 8% do eleitorado. Em pouco mais de um ano, passou da quase marginalidade política na candidata favorita à sucessão de Lula. Rousseff foi presa política durante a ditadura militar por integrar o grupo armado VAR-Palmares; também militou no Partido Democrático Trabalhista, de Leonel Brizola; graduou-se em economia e, desde 2001, integra o Partido dos trabalhadores (PT). Quando o escândalo de corrupção que forçou a renúncia de José Dirceu, Lula a nomeou para chefiar a Casa Civil.

Trata-se de mais um triunfo do atual presidente, que após oito anos de governo se retira com quase 80% de aprovação. O apoio popular a Lula é sólido, sustentado no tempo e atravessa todos os setores sociais. Opor-se a Lula, dizem amigos brasileiros, é como colocar em questão a lei da gravidade. Sua hegemonia é tão forte que a publicidade de seu adversário Serra inclui a imagem de Lula. Um olhar detalhado mostra que haverá um antes e um depois após seus oito anos governando o Brasil.

Um balanço da gestão de Lula implicaria em discorrer sobre muitos aspectos, desde seu carisma pessoal de homem nascido em uma humilde casa do nordeste, que sintoniza com os sentimentos da imensa maioria dos brasileiros, até sua exitosa gestão estatal após o pesadelo neoliberal e privatizador dos oito anos de Fernando Henrique Cardoso (FHC), quando cerca de 30% do Produto Interno Bruto (PIB) trocou de mãos, provocando um terremoto no país.

Do ponto de vista econômico, as duas gestões presidenciais de Lula proporcionaram um crescimento de 37%, o que contrasta com os escassos 20% dos anos 1994-2002, da presidência de FHC. Apesar de não ter sido espetacular, permitiu que quase 30 milhões de brasileiros (em um país de 190 milhões) tenham migrado da pobreza às classes médias, algo inédito na história do país e uma das chaves do massivo apoio a Lula.

Os frutos desse crescimento não foram repartidos de forma parelha. Os lucros dos grandes bancos explodiram 420% no governo Lula. Somente 3 bancos (Banco do Brasil, Itaú-Unibanco e Bradesco), que controlam 80% de mercado, ganharam, em 8 anos, 95 bilhões de dólares, frente aos 18 bilhões que haviam ganho no mandato de FHC. O capitalismo brasileiro vive uma profunda reorganização mediante um processo de centralização e concentração lubrificado pelo Estado conduzido pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), o maior banco de fomento do mundo.

O apoio às grandes empresas brasileiras lhes está permitindo competir em boas condições no mercado internacional, ao fundir-se e converter-se em multinacionais exitosas com financiamento estatal e de fundos de pensões. Brasil Foods, fruto da fusão entre a Sadia e a Perdigão, converteu-se na maior produtora e exportadora de carne processada do mundo. A semiestatal Petrobras figura entre as quatro maiores petroleiras; a privatizada Vale do Rio Doce é a segunda mineradora do planeta; e a Embraer, a terceira empresa aeronáutica atrás da Boeing e da Airbus. A fusão da Votorantim com a Aracruz criou a quarta processadora de celulose do mundo e a fusão do Itaú com o Unibanco o coloca entre os 10 maiores bancos. As multinacionais fazem parte do novo papel do Brasil no mundo.

Em segundo lugar, o amplo apoio a Lula não poderia ser explicado sem as políticas sociais, como o Bolsa Família, que supõe transferências monetárias muito baixas (entre 12 e 114 dólares); porém, chegam a 50 milhões de pessoas, ou seja, um em cada quatro brasileiros. Sobretudo no nordeste, esse tipo de programa conseguiu modificar o cenário político-eleitoral, construindo um sólido apoio a Lula. Todos os estudos asseguram que se produziu uma forte diminuição da pobreza, apesar de que o Brasil continua sendo um dos países mais desiguais do mundo.

A terceira questão, talvez a determinante, é que no governo Lula, o Brasil converteu-se em potência global. Não somente faz parte do quarteto de países emergentes, conhecido como BRIC (Brasil, Índia, China e Rússia), mas também ganhou um lugar no mundo que se evidenciou no acordo entre a Turquia, o Brasil e o Irã, para solucionar o conflito sobre o enriquecimento de urânio. Na América do Sul, a Unasul (União das Nações Sulamericanas), criada sob o impulso de Brasília, conseguiu substituir a OEA (Organização dos Estados Americanos) na resolução de conflitos regionais.

Sob o governo de Lula, aprovou-se a Estratégia Nacional de Defesa, que estabelece como prioridades a proteção da Amazônia e dos hidrocarbonetos da plataforma marítima, a reorganização e a modernização das Forças Armadas, com capacidade para fabricar desde submarinos até caças de quinta geração, enquanto o país já domina todo o processo que lhe permitiria construir armas atômicas.

Por último, os movimentos sociais estão em seu pior momento desde a década de 1980. O aprofundamento do neoliberalismo e a expansão das políticas sociais estão na base da crescente debilidade dos movimentos. Os oito anos de Lula lançaram o Brasil como potência global e regional em dissonância com os Estados Unidos; instalaram uma nova elite na administração do Estado e debilitaram a luta anticapitalista e por um mundo novo. Os três fatos são parte inseparável de um mesmo processo.

[Publicado originalmente em espanhol em La Jornada, México - traduzido por Adital e consertado por redecastorphoto].

*Jornalista uruguaio, comentarista e escritor, responsável da seção internacional de Brecha. Docente e pesquisador na Multiversidade Franciscana da AL.