sábado, 4 de setembro de 2010

PARIS: Todos às ruas, contra o governo Sarkozy

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“Manifestantes, releiam a história dos valores republicanos!”

3/9/2010, Pierre Haski, Blog Rue89 - Traduzido por Vila Vudu

Patrick Weil e Dominique Borne, historiadores, remontam à formação da República para ilustrar as manifestações deste sábado (4 de setembro de 2010) por toda a França.

La statue de la place de la République, à Paris, au coucher du soleil en novembre 2006 (Skadge/Flickr)

A convocação veio em pleno agosto, e 40 associações, partidos e sindicatos responderam ao chamado da Liga dos Direitos do Homem, para reagir contra o discurso de Nicolas Sarkozy em Grenoble, e à virada autoritária do governo francês.

A data para a manifestação não foi escolhida ao acaso: 4 de setembro, dia da proclamação da 3ª República, um modo de reafirmar a persistência de valores republicanos hoje gravemente ameaçados pelo governo Sarkozy.

Acontecerá na praça da República, como tem de ser. Os parisienses estão convocados para reunir-se ali, a partir das 14h. No mesmo horário, outras manifestações acontecerão por toda a França.

Os manifestantes do sábado sabem bem por que se reúnem – para manifestar a oposição à política de Sarkozy e ao clima cada vez mais acentuado de xenofobia na França-2010, deliberadamente estimulado pela maioria nas casas legislativas. Mas terão todos, bem vivo na memória, o significado desse símbolo do 4 de setembro de 1870, ou a gênese desses “valores republicanos” de que tantos falam no debate público e tão poucos explicitam?

Como bom manifestante é manifestante bem informado, o blog Rue89, associado ao grupo Progress-in-work (PIW), jovem empresa de produção de conteúdos audiovisuais, propõe a todos um mergulho às raízes da República e seus valores. A equipe da PIW produziu os vídeos que adiante se mostram. Para consumir sem moderação, antes de sair à rua.

Aí vão dois grandes depoimentos, de dois historiadores, Patrick Weil, autor de La République et sa diversité (Seuil, 2005), e Dominique Borne, autora de La Loi et l'histoire (Universalia, 2007), que nos levarão a revisitar dois séculos da história da construção desses valores que estão no coração da República e no coração dos manifestantes que se reunirão no sábado.

A Revolução Francesa

Nesse primeiro trecho, Dominique Borne fala sobre a relação entre a Revolução Francesa e a construção dos valores republicanos:

« A Revolução de 1789 é evento cristalizador. Mas tudo já fora escrito, antes, por Rousseau no Contrato Social [em português, grátis, completo]; por Montesquieu, no Espírito das Leis [em português, grátis, completo] e outros.

O modo como se apresenta a Declaração dos Direitos do Homem é curiosa. Foi apresentada como se apresentavam as tábuas de lei que Moisés trouxe do Sinai. Como se fosse uma substituição, um novo modelo.»

Para Patrick Weil, a memória francesa da Revolução ainda é positiva:

« É que o fato de a Revolução ter chegado ao poder pela mobilização trouxe coisas positivas, apesar dos excessos do Terror etc. Porque foi uma declaração de direitos do homem e do cidadão, a abolição de privilégios, os primeiros passos de um governo laico...

Isso gerou formas de mobilização na França que se tornaram notáveis em todo o mundo. A memória positiva da Revolução, só os franceses a temos, em toda a Europa, diferentes de russos, alemães, italianos, espanhóis. Mas partilhamos essa memória com os norte-americanos. »


(Vídeo em http://dai.ly/c3n0Uf , em francês)



Quelles valeurs républicaines ? Valeurs de la révolution 1/4
Enviado por rue89. - Noticias em video na hora

A liberdade e a igualdade

Dominique Borne:

« Sempre houve, na França, tensões entre liberdade e igualdade. Os constituintes [de 1789, NR] foram bem claros : [direitos] do homem e dos cidadãos. O cidadão, aí está, claramente, o domínio da igualdade. Todos os cidadãos são iguais nos direitos. Um cidadão é igual a todos os demais, e não importa a cor da pele, a origem etc. »

Patrick Weil :

« Esse é um princípio estruturante. Os franceses são ligados, primeiro, ao princípio da igualdade. »

Dominique Borne :

« E depois vêm os homens, no sentido genérico da palavra, que são livres para praticar qualquer crença. Sejam católicos, muçulmanos, ateus, com crenças ou sem. »


(Vídeo em http://dai.ly/drrZES, em francês)



Quelles valeurs républicaines ? Principe d'égalité 2/4
Enviado por rue89. - Noticias em video na hora

A laicidade

[Doutrina ou sistema que preconiza a exclusão das Igrejas do exercício do poder político e/ou administrativo. Houaiss, Dicionário]

Dominique Borne :

« A República impôs-se contra a monarquia, mas também contra a igreja católica. A força da lei da separação, como a anteviram Aristide Briand e Jean Jaurès, não implicava lei que limitasse qualquer prática, mas que garantisse a liberdade.

Ao longo da história, o conceito alterou-se um pouco. A laicidade das origens, em 1905, serviu para socorrer a empreitada da igreja sobre a população: o funcionário público já não tinha de obedecer ao cura; cada um podia ir ou não ir à igreja...

Hoje, se entende a laicidade como a possibilidade de crer diferentemente dos demais, a multiplicidade das crenças, o que muda muito as características da República. »

Patrick Weil :

« A laicidade não é só a liberdade de consciência: isso existe nas grandes democracias. O que não existe em inúmeros países é a obrigação de o Estado e seus representantes serem neutros em tudo quanto tenha a ver com escolhas espirituais. »


(Vídeo em http://dai.ly/bXE9dC em francês)



Quelles valeurs républicaines ? Laïcité 3/4
Enviado por rue89. - Videos de noticias do mundo inteiro.

A 3ª República

Nesse quarto e último bloco, os dois historiadores falam das contribuições da 3ª República, instaurada, dia 4 de setembro, há 140 anos.

Patrick Weil :

« Foi a partir daquele momento que as grandes leis liberais, isso é, que respeitavam as liberdades, foram postas em ação. Daí se desenvolveram todos os contrapoderes (liberdade de associação, de expressão, de consciência). »

Dominique Borne :

« Aquela República, que nasceu em 1870-1877, não é de modo algum social, O enriquecimento veio depois, com a palavra de Jaurès, e sobretudo em 1936, com o Front populaire (férias remuneradas...).

A partir desse momento, a igualdade – e é uma descoberta formidável do século 20 – já não tinha de ser apenas jurídica, tinha de ser também social. Depois da Libertação há as grandes leis (de Seguridade Social, o voto feminino...), que transformam profundamente a República.

A República, que observava a igualdade civil, tende à igualdade social. »

Patrick Weil :

« É também sob a 3ª República que se elabora uma grande lei sobre nacionalidade que integra à cidadania os filhos de estrangeiros nascidos em território francês.

Com a França convertida em país de imigração, os filhos de imigrados, a maioria belgas ou italianos, ameaçados de serem convocados pelo exército, preferiam não ter a cidadania francesa. Nesse contexto é que se decidiu estabelecer o direito de solo, para integrar aqueles filhos de imigrados à nacionalidade, para pô-los em igualdade em relação ao serviço militar, para que não escapassem do serviço militar...»


(Vídeo em http://dai.ly/adXCS7 em francês)



Quelles valeurs républicaines ? 3ème République 4/4
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Que relação há entre isso e os tempos atuais? Tudo, é claro, pois a França de 2010 foi moldada e é herdeira dessa história, que o clima político das últimas semanas, com a estigmatização dos estrangeiros e os discursos de clivagem, desnatura, desfigura.

Nada a ver? Como eco das lutas do passado, ressoa o slogan das manifestações do sábado: « Contra a xenofobia e a política do pelourinho: liberdade, igualdade, fraternidade! »

Agradecimentos a Alexis Morand, Igal Kohen e Marine de Saint-Seine, de Progress-in-Work, pelo magnífico trabalho.

O artigo original, pode ser lido em: Manifestants, révisez l'histoire des valeurs républicaines