terça-feira, 7 de setembro de 2010

Obama calcula o timing para cercar o AIPAC?

Conversações Israel-Palestina

7/9/2010, Robert Dreyfuss, The Nation – Traduzido por Vila Vudu


Em artigo publicado hoje no Washington Post, Daoud Kuttab, jornalista palestino em Ramallah, destaca aspecto importante sobre o timing das conversações para o Oriente Médio, iniciadas semana passada (sim, outra vez!) e previstas para prosseguir em meados de setembro no Egito.


Kuttab observa que as conversações foram atentamente agendadas conforme o calendário eleitoral nos EUA. Observa que, iniciando agora o processo, antes das eleições de novembro, o presidente Obama pode beneficiar-se de os dois lados poderem vê-lo como “precursor”, uma vez que ambos os negociadores, o primeiro-ministro Netanyahu e o presidente Abbas, deverão limitar-se a declarações protocolares na abertura das negociações. Depois, na segurança do momento pós-eleições, e com a campanha para a reeleição em 2012 ainda distante, poderá ter início o empurra-empurra.


Tudo certo, desde que se acredite que Obama tenha alguma intenção de pressionar “as partes” (leia-se: Israel) para que se chegue às linhas gerais de algum acordo de paz no prazo de um ano definido pela Casa Branca. Nas palavras de Kuttab: “Organizar conversações de paz nesse momento, garante ao presidente Obama exposição positiva na imprensa, com fotos e manchetes, antes das eleições de meio de mandato. E haverá tempo para uma eventual intervenção mais firme, antes que se inicie a campanha para a reeleição de Obama.” [1]


Esse é o cenário mais otimista. Muita coisa pode sair errado. O processo pode ir pelos ares no final de setembro, se Israel suspender a moratória (além do mais, só parcial) e voltar a construir postos avançados de novas colônias e blocos residenciais exclusivos para judeus nos territórios ocupados da Cisjordânia. Nada confirma, até agora, os rumores de que o presidente Obama teria um ‘plano de paz norte-americano’ a apresentar, caso as negociações emperrem. E os israelenses são mestres em fazer emperrar e desvirtuar reuniões de paz, como bem sabem vários outros presidentes.


Mas, supondo-se que Obama realmente planeje cercar pelos flancos o AIPAC e o lobby israelense, esse afinado calendário político-eleitoral parece ser estratégia esperta. Muitos presidentes, como sabem tantos analistas do Oriente Médio, jamais sequer cogitaram de propor conversações entre Israel e palestinos senão depois de chegados às últimas horas do segundo mandado, quando, já reduzidos a presidente lame duck, “de saída”, podiam dispensar os favores do AIPAC.


Contudo, embora circulem rumores, já há mais de um ano, de que o governo Obama acredita que resolver a questão palestina é importante, sobretudo, para garantir a segurança nacional dos EUA, uma vez que o crescimento do sentimento anti-EUA no mundo muçulmano seria resultado do ressentimento contra o apoio dos EUA a Israel, mesmo assim ainda ficaria sem demonstrar que Obama esteja disposto a investir muito nessa direção. Provocador [e trabalhando para reforçar a posição de Abbas no próprio governo e no Fatah], Kuttab sugere que, se as conversações derem em nada, “os palestinos” [leia-se: Abbas] denunciarão o blefe de Obama, proclamarão a independência da Palestina e partirão em busca do reconhecimento internacional. Esse movimento encurralaria Obama, que ficaria obrigado ou a reconhecer o novo Estado da Palestina ou a expor-se como peão no tabuleiro comandado por Israel.


Nas palavras de Kuttab: “Se as conversações falharem, por obstrução dos israelenses, não restará alternativa ao governo da AP, além de declarar unilateralmente a independência do Estado da Palestina e esperar pelo reconhecimento da comunidade mundial. Os EUA que testemunhem a conduta dos negociadores da AP na sala de negociações ao longo do próximo ano terão de decidir se reconhecerão o novo Estado ou se continuarão a deixar que o conflito se aprofunde.” [1]


Evidentemente, tampouco se pode garantir que o governo de Abbas e seus aliados, nem o próprio e isolado Abbas, algum dia arriscarão o próprio pescoço nessa confrontação ou se declararão alguma “independência da Palestina”.


Como observa Daniel Levy, ex-negociador israelense, atualmente a serviço da New America Foundation, Abbas está precariamente isolado, separado, não só do Hamás, mas de vários outros partidos e facções políticas em sua própria base que, todos, desconfiam de que as conversações correntes não passam de encenação.


Semana passada, Levy escreveu no Huffington Post: “Grande parte do Partido Fatah, outros partidos menores que compõem a OLP e praticamente toda a sociedade civil organizada e vários grupos da diáspora palestina opõem-se às conversações que se iniciaram essa semana; e opõem-se tanto às negociações quanto aos negociadores”.


Apesar da avalanche de propaganda israelense e pró-Israel que se viu nas últimas semanas, que tentam apresentar Netanyahu como pacificador, é muito, muito pouco provável que o primeiro-ministro de Israel tenha qualquer intenção de discutir questões cruciais como as colônias exclusivas para judeus, Jerusalém e o suposto direito bíblico que os israelenses alegam ter sobre “Judea e Samaria”. Só deixará essa posição, se for empurrado montanha acima. Seja como for, não será empurrado, de modo algum, antes de meados de 2011.


O artigo original, em inglês, pode ser lido em: Obama Calculates Israel-Palestine Timing to Short-Circuit AIPAC

Nota de Rodapé

[1] A independência da Palestina é inevitável (com ou sem conversações de paz)” 7/9/2010, Daoud Kuttab. The Washington Post (de Ramallah, Cisjordânia)