quinta-feira, 16 de setembro de 2010

O DESAFIO DA COMUNICAÇÃO

Laerte Braga

Bulworth é o título original de um filme lançado em 1998 nos EUA e exibido no Brasil com a tradução de POLITICAMENTE INCORRETO. Warren Beatty, além de protagonizar o personagem, um senador norte-americanos, dirigiu o filme. Uma indicação para o Oscar, melhor roteiro e três indicações para o Globo de Ouro.

A música é de Ennio Morricone, um dos preferidos do diretor italiano Federico Fellini, mas longe de seus filmes. Neles só Nino Rota.

A trama é simples. O senador em desencanto com a vida pessoal (o casamento ia mal), com a carreira política (as chances de reeleição eram nulas), resolve contratar alguém para matá-lo após conseguir uma apólice de seguro de 10 milhões de dólares.

A partir daí começa a fazer tudo diferente do clube de amigos e inimigos cordiais que abarca entre seus sócios a maioria dos parlamentares em qualquer parlamento do mundo.

Choca seus assessores, choca a imprensa, comove e desperta os eleitores com sua sinceridade, o ser politicamente incorreto e acaba vencendo a disputa de forma surpreendente.

Escapa do assassino contratado. O tiro não o mata. O suspense do filme fica por conta do contratante, um intermediário, que antes de comunicar que o contrato estava suspenso, sofre um acidente, entra em coma e Bulworth tem que escapar da morte encomendada por ele próprio.

Warren Beatty junto com Robert Redford e Paul Newman causaram alguns problemas ao modelo de Hollywood. Não tantos como Marlon Brando, mas volta e meia protagonizaram fora das telas situações incômodas para Washington. Foram críticos da guerra do Vietnã, de posições de presidentes como Reagan e infernizaram o governo dos dois Bush, pai e filho, com críticas às vezes surpreendentes mesmo para o que chamam de “esquerda norte-americana”.

Adversários intransigentes da pena de morte eram figurinhas carimbadas em manifestações contra a tal injeção letal, ou a cadeira elétrica, ou a câmara de gás, ou o fuzilamento, ou a forca. O modus operandi varia nos estados dos EUA que ainda abrigam em seus códigos penais a pena capital.

Uma das situações mais interessantes do filme está numa entrevista em que o senador aparece de bermudas, um gorro, óculos escuros e repete ipsis litteris em forma de rap o que ouvira de um traficante de um bairro negro sobre oportunidade para negros e minorias.

Esculhamba a mídia. A ordem de corte do diretor de tevê custa a ser cumprida e sobra tempo para que o senador possa dizer/cantar, que a mídia é uma grande farsa ao sabor dos patrocinadores.

À frente da apresentadora do programa o senador mostra e exibe a cumplicidade entre as elites políticas e econômicas do país com a mídia, braço que molda e forma a opinião pública, especificamente a classe média.
Fala de pobreza, de fome, de guerras estúpidas, de quem ganha com isso e embora não use a expressão patriota, deixa claro que essa conceitua de forma definitiva o caráter patológico de patriotismo (objeto de observação precisa de Samuel Johnson pensador e parlamentar inglês do início do século XX – “o patriotismo é o último refúgio dos canalhas”).

O senado soa para ele, Bulworth, como o clube que aceitou Groucho Marx como sócio. “Não posso ser sócio de um clube que me aceita”.

Todo esse comportamento politicamente incorreto do senador e o início de um romance com uma negra, tornando-o adúltero, termina por despertar ponderável parcela do eleitorado levando-o a uma vitória consagradora.

Imagine se os grandes jornais do Brasil resolvessem agir dessa forma. Falar a verdade. E perceber que mentem descaradamente todos os dias, em todas as suas edições não é tão difícil assim. Basta olhar as manchetes, só as manchetes e confrontá-las com a realidade, os dados reais.

Não subsistem a duas linhas de análise. Nem O GLOBO (versão em português, o original é THE GLOBE), nem FOLHA DE SÃO PAULO, muito menos ESTADO DE SÃO PAULO, ESTADO DE MINAS, etc.

Ou o JORNAL NACIONAL, num ataque de escrúpulos, noticiar os fatos reais, sem distorcê-los, sem inventar, ou sem transformar-se em partido político dos interesses mais sujos dos grupos mais imundos do Brasil e outras plagas (principalmente outras plagas).

Dá para pensar em VEJA sem mentira?

Não tem como.

Uma das razões que influiu no todo do golpe contra o presidente João Goulart foi sua decisão de rever critérios de concessões de canais de tevê e emissoras de rádio. Jango entendeu de pulverizar a comunicação através de concessões a sindicatos, comunidades, organizações da chamada sociedade civil, movimento popular, o que hoje conhecemos como rádios e tevês comunitárias e que enfrentam os mesmos obstáculos daquela época.

As mesmas barreiras.

E uma das reações foi a “construção” da REDE GLOBO, capital do grupo TIME/LIFE, à época um dos tentáculos mais poderosos de Washington e Wall Street. Um laranja brasileiro, Roberto Marinho (depois passou a perna nos norte-americanos, mas continuou servindo a eles e os herdeiros fazem o mesmo) e uma rede de tevê (já era um grupo forte detentor de várias concessões de emissoras de rádio e o jornal) a serviço das elites políticas e econômicas podres do Brasil.

Parte do roteiro do golpe de 1964, sob a batuta do embaixador Lincoln Gordon e do general Vernon Walters, tendo como extras milhares de militares “patriotas”, daqueles de encher prisões de adversários e deliciarem-se na tortura, no estupro, no assassinato, nas perversões típicas e clássicas desse tipo de esbirro.

É uma espécie de compensação que o dono dá ao seu cachorro. Um remédio qualquer e um torrão de açúcar. No caso, a “patente” de presidente da República e um DOI/CODI, um SNI, coisas do gênero.

Um brasileiro entrevistado sobre a quebra do sigilo fiscal da filha do candidato José Arruda Serra perguntou ao entrevistador, era uma pesquisa sob o impacto do fato nas eleições, se o fiscal era o fiscal da feira.

Por aí tem bem mais que declaração singela, ou simplória.

Tem, implícita, a integridade do entrevistado, mal lê as manchetes sobre o desempenho da Mulher Melancia, principal objeto de alienação e suas variáveis (Pera, Maçã, Melão, etc), ou sobre seu time (Zico ainda vai conseguir acabar com o Flamengo) e tem pulsante, digamos assim, a necessidade de retomar o debate sobre comunicação como instrumento capaz de informar e conscientizar cada cidadão desse País. Sem as deformações, por exemplo, do portal GLOBO.COM, espécie de revista pornográfica disfarçada no espetáculo das bundas estendidas e exibidas para o gáudio da turma que gosta e quer o bom dia de Willian Bonner, mentiroso de plantão todas as noites no tal JORNAL NACIONAL.

Mas não é que um general/ditador, Ernesto Geisel, enviou ao Congresso uma proposta de lei chamada Código Nacional de Telecomunicações e que por lá se encontra, defasado lógico, pois o poder da GLOBO engoliu todos os politicamente corretos?

O modelo da comunicação no Brasil além de concentrador repete a cantilena de “Deus salva a América, meu céu, meu lar”. Ou coisa assim. A América deles.

O politicamente correto disfarça o preconceito, encobre-o, transforma-o em objeto do espetáculo, faz com que o cidadão desesperado entre o pular e o não pular (do alto de um prédio de vinte, trinta andares), tenha quinze minutos de glória até ser salvo (quando o é) por um soldado do corpo de bombeiros.

Toma uma baita vaia quando chega ao solo. Os gritos cá embaixo eram de pula, pula, pula.

O momento supremo desse tipo de mídia privada que temos. A banalização da vida, pela transformação do ser em objeto.

É preciso começar a discutir a importância do fiscal da feira. Ele tem muito mais a dizer que o JORNAL NACIONAL. É a realidade imediata do cidadão em cada uma das cidades brasileiras.

Não é o distinto público uniformizado de torcida do Faustão num abaixa levanta sem sentido e sem conseqüências outras que não sejam as provocadas pela alienação.

As pesquisas eleitorais mostram que o poder dessa mídia não é absoluto.

De uma certa forma se descuidaram. Um “feirante” foi eleito em 2002, reeleito em 2006 e vai eleger sua sucessora contra os politicamente corretos.

O não ser absoluto não significa que esse poder não deva ser discutido e combatido. Pergunte a qualquer diretor da GLOBO se toparia a legislação dos EUA sobre empresas de comunicação? Nem a tapa.

Por aí dá para avaliar o quanto esse desafio é fundamental para que possamos reconstruir esse caminho, dar uma linha popular e democrática num processo libertário que acima de tudo trate o ser humano como tal e não algo descartável.

E isso só através de um amplo debate sobre o assunto. Participação popular plena e um número menor de sócios do clube de amigos e inimigos cordiais, o velho Congresso.

Uma virada maluca como deu o senador criado por Warren Beatty, o suficiente para mostrar que a VEJA de lá e tão podre como a daqui. Que dirá a GLOBO. Lá eles têm as versões CNN e FOX.

Usam focinheiras e assisti-las é preferível após tomar vacina. Como as nossas.