sábado, 11 de setembro de 2010

MÍDIA SEM ALMA

Raul Longo


A Mídia brasileira sempre se comportou como se o país não tivesse alma e os únicos seres vivos do planeta fossem os animados pelos mesmos interesses que movem seus anunciantes e mantenedores.


Foi assim que ocorreu com o Movimento das Diretas quando a Globo omitia as multidões pelas praças do país, a exigir o retorno da normalidade democrática tão evitada pelos mesmos grupos de comunicação que só duas décadas depois perderam o poder de moldar o anima de seus leitores e espectadores que, enfim, demonstram pelos resultados do IBOPE e IVC, ou mesmo pelos das urnas eleitorais, estarem se libertando dos condicionamentos e assumindo vida e raciocínio próprio.


De dentro da própria Igreja Católica, que também já justificou os interesses de seus provedores inventando que a escravatura não ofenderia os princípios de Cristo porque negros e índios não teriam alma, surgiram ordens e clérigos que combateram e combatem tais mentiras e preconceitos, dando algum sentido à existência milenar da instituição. Mas de que servem os veículos e profissionais de Mídia que se pretendendo formadores de opinião, se obliteram na opinião exclusiva de seus grandes anunciantes?


Anunciam à quem, se ninguém mais acompanha a grande mídia brasileira que não consegue conduzir resultados de pesquisas públicas por maior a utilização de casuísmos e manipulação de factoides, em uma década de corporativismo monopolista?


À quem querem enganar os empresários da OSX, com matérias como a publicada pela Revista Época (abaixo), repetindo que o empecilho à instalação do Megaestaleiro na Baía Norte da Ilha de Santa Catarina se resume a ambientalistas em defesa de golfinhos?


Só se acreditarem que dessa forma convencerão o governo federal a lhes conceder permissão para empreendimento tão lesivo e fatal às almas humanas que compõe todos os municípios da região, inclusive a capital do Estado, quanto aos botos. Se não mais! Pois os botos emigram e já estiveram em outras localidades do vasto oceano antes de virem para cá; mas as comunidades pesqueiras que aqui desenvolvem suas atividades cotidianas desde o século 18, miscigenando heranças açorianas com a dos antigos guaranis carijós, não se deixam enganar por meras promessas midiáticas de empregos que, sabem, em maioria se destinarão à mão de obra especializada.


Esta sim terá de emigrar de onde excede, trazendo das baixadas Fluminense e Santista todos os problemas sociais decorrentes, além de promover o extermínio das particularidades culturais que compõem um dos atrativos do único polo turístico litorâneo internacional do cone sul do continente.


Florianópolis é a única infraestrutura urbana com atrativas belezas naturais e ideais condições balneáveis entre a Terra do Fogo e o Rio de Janeiro. Seu aeroporto: escala emissora do turismo internacional às demais praias e regiões de Santa Catarina, além das Cataratas do Iguaçu no Paraná.


Se as comunidades pesqueiras do canal da Ilha de Santa Catarina não se seduziram por ofícios que lhe são estranhos e aviltantes pelo trabalho sujo de chão-de-fábrica por rendimentos inferiores aos aferidos pelo esforço venturoso da lide marinha, tampouco as comunidades de moradores que, semanalmente, se mobilizam em manifestações de contrariedade ao intento, por toda a extensão e em ambas as margens do canal.


Mesmo que omitida pela Revista Época, esta contrariedade popular à tentativa de imposição do empreendimento é suficientemente reconhecida pela OSX, conforme demonstrou através da dezena de “armários” contratados como leões-de-chácara para intimidar a população em audiência pública realizada em Florianópolis. Uma vergonha para a democracia há tanto restabelecida, mas de fazer inveja à memória dos velhos tempos da ditadura militar.


No entanto, para a imprensa comprada pelo empresário Eike Batista, como a Revista Época, pescadores, maricultores, empregados dos setores hoteleiros e gastronômico, moradores preocupados com a desvalorização de seus patrimônios familiares e o futuro da população da região; não tem qualquer importância. É uma população que não existe, não têm alma, significado ainda menor do que o dos botos a que os ambientalistas defendem.


Os jornalistas da Época e de todos os demais veículos comprados por Eike Batista apenas reproduzem os releases da OSX, mas nada sabem e provavelmente sequer conheçam a região. Ou, se conhecem, como os dos impressos e emissoras daqui mesmo, ao entendimento de seus olhos tudo o que não se expresse em cifrões se resume a deserto sem viv’alma. Mas o próprio Sr. X (como Eike Batista gosta de ser identificado pelas excentricidades típicas dos de sua classe), sabe perfeitamente que o que ameaça seu empreendimento não são botos nem ambientalistas.


Apesar da omissão da Mídia, o Sr. X sabe bem o que, neste momento, mais ameaça a realização de seus escusos interesses que motivam a insistente recusa às demais localizações oferecidas ao Megaestaleiro no mesmo estado e de muito menor impacto sócio/ambiental.


Sabe que este empecilho dificilmente contornará as responsabilidades sociais do governo federal, fazendo com que aceite e se alie à inépcia e incompetência da empresa que a própria OSX contratou para desenvolvimento do Estudo de Impacto Ambiental de seu megaprojeto, conforme demonstrado na matéria


Mais informações em: Cientistas apontam falhas e omissões no EIA do Estaleiro OSX – por Celso Martins, jornalista independente que ainda dá sentido à profissão e a quem Eike Batista não comprou a alma.


A "reporcagem" mencionada pode ser lida em: Revista Época (para assinantes)