sábado, 4 de setembro de 2010

Israel-Palestina: o que há de “diretas”, nessas “conversações diretas”?

Mahmoud Abbas, à direita, do partido Fatah, pode ser o único representante na Conversações de Paz com Israel, mas tem sua credibilidade contestada pela grande maioria dos palestinos [photo: Getty]


2/9/2010, Larbi Sadiki, Al-Jazeera, Qatar

Traduzido por Vila Vudu

Larbi Sadiki é professor de Política do Oriente Médio na Universidade de Exeter (UK) e

autor de The Search for Arab Democracy: Discourses and Counter-Discourses (Columbia University Press, 2004).



Uma falácia nas “conversações diretas” patrocinadas pelos EUA entre israelenses e palestinos marcadas para começar dia 2/9 parece continuar sem receber a atenção que merece: nada há de “direto”, naquelas conversações. O momento da reunião favorece os israelenses. O encontro acontece em momento em que a comunidade palestina está polarizada, enfraquecida, sob sítio e cada vez mais abandonada, com o apoio e o entusiasmo dos árabes já evanescente. Os israelenses partem para Washington com agenda favorável, a serviço deles mesmos e para não desperdiçar a oportunidade de aparecer nas fotos e nas manchetes.


Nem mesmo os participantes involuntários, a “troika da paz” – Egito, Jordânia e Arábia Saudita – embora contribuam para dar alguma útil cobertura ‘árabe’ ao encontro, e acrescentar-lhe um toque de peso e seriedade – dão às “conversações diretas” a legitimidade de que elas carecem desesperadamente. Os dois primeiros são signatários de tratados de paz com Israel. O terceiro é aliado chave dos EUA, cujas bênçãos às conversações só são necessárias como barretadas aos partidos árabes.


As conversações têm sido apresentadas no invólucro da retórica diplomática internacional, como o início de um processo que deve levar a uma “taswiyah” (o clichê, sempre repetido, de um acordo de paz definitiva, durável e que atenda às aspirações nacionais de israelenses e palestinos).


Por baixo de um otimismo artificialmente inflado sobre as “conversações”, opera a “carpintaria” de uma solução diplomática à qual se tem de chegar no prazo de 12-24 meses.


Os números desse jogo da paz – não importa o quanto a paz seja objetivo emocionalmente poderoso e moralmente desejável – não batem. Nem o triunvirato nem a “troika árabe da paz” têm poder para garantir qualquer paz, nem, tampouco, todos eles “sabem” ou “concordam” sobre o que significaria alguma “paz” real, como objetivo de médio ou de longo prazo.


O fator definitivo é que falta coragem moral aos EUA, principal negociador da paz (e, ao mesmo tempo, principal apoiador de Israel em todos os níveis), para obrigar Israel, potência ocupante, a investir boa vontade real – e a devolver territórios ocupados, por doloroso que seja – em nome de algum efetivo processo de paz.


Até a semântica da paz é questão ainda controversa: conversações diretas de paz. Mas para que finalidade? Paz em troca de paz, segurança em troca de paz ou territórios em troca de paz? Do mesmo modo, ninguém sabe o que significa “segurança” nem de que “territórios” se tratam, se se consideram os fatos consumados criados por Israel. A incógnita perpétua nessa discussão ainda é “quanto território” em troca de “quanta segurança”. E é assim desde as conversações de Oslo via o “Mapa do Caminho” de Bush e Annapolis, até hoje, nas primeiras conversações de paz do governo Obama.


“Indiretamente”, esse é o nome do jogo na rodada de conversações ‘diretas’ que se iniciam. Nem todo o inventário de soluções da retórica política de Obama, com seus “sim, podemos” e “audácia da esperança” bastará para desenredar os problemas que se criam por essas conversações serem inerentemente indiretas.



São encontros para os quais foram convidados egípcios e jordanianos, mas não se convidaram nem Ismail Haniyya, primeiro-ministro palestino, nem seu partido legitimamente eleito, o Hamás. A menos que o governo Obama planeje inventar outra trilha para tentar chegar à outra paz, para a qual convide todos os ausentes, além de Síria e Líbano!


Obama, democraticamente eleito e com poder executivo sem paralelo no planeta, não tem poder para afirmar ou garantir coisa alguma, nem num centro cultural islâmico. É tolice, credulidade, esperar que o ainda mais fraco e atormentado Mahmoud Abbas – cuja legitimidade é duvidosa e contestada – venha algum dia a entregar, em Washington, o que ainda resta da terra que pelo menos metade de todos os palestinos consideram terra sagrada. E também é preciso cérebro ginástico, com músculos de Hércules, para conseguir supor que os israelenses, por passe de mágica, concordem com abrir mão do que, para eles, seria seu ‘direito bíblico’ e também espaço sagrado.


Em teoria, as conversações se fazem sem precondições. Foi exigência dos israelenses, que EUA e a “troika árabe da paz” aceitaram. Na realidade, as conversações se fazem sob a principal condição que Israel impôs: nenhum quadro de referência orientará as “conversações diretas” (o que implica dizer que não se consideram, sequer, as Resoluções da ONU, com atenção especial para que se ignore completamente a Resolução n. 194, que assegurou aos palestinos o direito de retorno).


Parece pouco? Pois o governo de Netanyahu quer arrancar de Abbas o reconhecimento de Israel como “Estado judeu”. Seu governo não discutirá o destino de milhares de prisioneiros palestinos nas prisões israelenses, nem o status de Jerusalém, nem o fim do bloqueio desumano a Gaza. Nem se entende por que, afinal, tanto os israelenses se preocupam com obter dos palestinos o “reconhecimento” de seu “Estado judeu”.


Reconhecer algum “Estado judeu” será como pregar o último prego no esquife de qualquer noção de direitos para os palestinos. Fato é que ninguém fala da ocupação israelense como colonialismo. Há “assentamentos”, não há “colônias”. Nem o conflito é chamado pelo nome próprio: não se fala de territórios ocupados, só de territórios “disputados”. Assim, em vez de discutir direitos legais e legítimos dos palestinos, consagrados (até!) nas Resoluções da ONU, os israelenses já viraram a mesa contra Abbas e seus co-negociadores palestinos.


É Israel quem está reivindicando seu “direito” de ser “Estado judeu” e, portanto, de ser senhor de Jerusalém e, portanto também, de manter só parcialmente congeladas as construções nas colônias. Nenhum direito de retorno é pressuposto para os refugiados palestinos, nem se pensa em qualquer referência a algum “mapa” ou “geografia” do possa algum dia vir a ser algum Estado palestino viável. E os herdeiros do Fatah de Arafat, nem eles, crêem ainda em seus slogans revolucionários pelos direitos dos palestinos.


Trata-se, afinal, não de “taswiyah”, mas de “tasfiyah” (liquidação da causa palestina) – o que explica a absoluta descrença, o absoluto ceticismo na opinião pública árabe em relação às “conversações diretas” de paz, de Obama. A mascarada dessas “conversações diretas” e “sem pré-condições” não disfarça, nem superficialmente, a iniqüidade entre os interlocutores israelenses e palestinos que lá estão. Tampouco sugerem real empenho em superar o impasse.


Israel talvez obtenha mais “direitos”. Obama talvez obtenha os votos que lhe faltam nas próximas eleições de meio de mandato. Os palestinos acabarão ainda mais distantes de alcançar o direito a um Estado viável.


O artigo original, em inglês, pode ser lido em: Just how 'direct' are the talks?