terça-feira, 7 de setembro de 2010

“A independência da Palestina é inevitável (com ou sem conversações de paz)” [1]

7/9/2010, Daoud Kuttab. The Washington Post (de Ramallah, Cisjordânia)
Traduzido por Vila Vudu
Daoud Kuttab é palestino. Foi professor de jornalismo na Princeton University. É considerado “observador moderado” da política israelense-palestina” e tem sido o único jornalista palestino convidado a reuniões da Anti-Defamation League, organização dos sionistas norte-americanos [NTs]. Recebe e-mails em info@daoudkuttab.com

A inevitável independência da Palestina: a solução “Um Estado”

Está brotando o Estado palestino – ainda não se sabe, apenas, se resultará das atuais conversações de paz.

É fácil ser pessimista, ou indiferente, em relação à atual rodada de conversações de paz entre israelenses e palestinos. A história é testemunha do pouco que os palestinos conseguem obter nesse tipo de negociações. Até hoje, todos os esforços bem-sucedidos foram cevados em conversações secretas, das quais a opinião pública só teve conhecimento quando já se alcançara um pacote de conclusões e acordos.

Apesar disso, parece que há uma brecha, dessa vez – graças à precisa estratégia de paz do governo da Autoridade Palestina (AP). Enquanto a OLP há muito tempo persegue uma dupla estratégia de resistência armada e resistência política, os líderes da Autoridade Palestina (AP) hoje já se opõem firmemente a qualquer forma de violência. Mais recentemente, esse determinado esforço de oposição a qualquer violência pode ser sentido e visto em todas as cidades, vilas e campos de refugiados na Palestina. Com táticas que vão do boicote aos produtos das colônias israelenses à campanha internacional de desinvestimento, o movimento já capturou a imaginação de grupos locais, ativistas internacionais e dos ativistas israelenses que lutam pela paz.

Os aparelhos de segurança do governo da AP trabalham dia e noite para defender essa estratégia de paz. Esses esforços criaram uma abertura, mas a situação ainda é frágil, eivada de tentativas de obstrução pelos dois lados.

A chegada do presidente da Autoridade Palestina Mahmoud Abbas a Washington, semana passada, marcou a primeira vez que um líder palestino chegou à mesa de conversações de paz contra cerrada oposição dentro de seu próprio partido, além da oposição de grupos da OLP e de outros partidos políticos palestinos. O Hamás não parou de manifestar, verbalmente, seu desacordo e foi responsável por ataque do qual resultaram quatro colonos judeus mortos próximo de Hebron e por outro ataque próximo a Ramallah que feriu dois outros colonos judeus, no dia seguinte. Os ataques tinham o claro objetivo de tumultuar as negociações de paz e enfraquecer a posição do governo da AP.

Os palestinos têm boas razões para desconfiar da honestidade de Israel, quando se trata de construir a paz. O principal deles: a violência dos ataques israelenses contra Gaza e as repetidas violações à lei internacional que levam à construção de colônias e blocos residenciais exclusivos para judeus nos territórios ocupados em Jerusalém e na Cisjordânia. Depois que o líder espiritual dos judeus ultra ortodoxos do Partido Shas, que integra a coalizão do governo Netanyahu declararou o desejo de que uma praga exterminasse todos os palestinos, muitos, com muita razão, passaram a duvidar da boa vontade dos israelenses para construir alguma paz com os palestinos. Mesmo depois do início das conversações, Avigbor Lieberman, ministro de Netanyahu, outra vez fechou a porta a quaisquer esperanças de paz, ao garantir que nada aconteceria, “de novo”, em 2010.

Então, de onde vem a esperança dos palestinos?

Em vez de amaldiçoar a ocupação israelense, Salam Fayyad, primeiro-ministro do governo da AP e ex-executivo do Banco Mundial, mudou o foco das discussões e começou a trabalhar pela construção do Estado palestino. O governo da Autoridade Palestina melhorou a segurança – como generais do exército de Israel já reconheceram – e começa a introduzir reformas de longo alcance na educação, saúde e na economia. Em seu relatório anual à comissão de assistência ao povo palestino, a Conferência sobre Comércio e Desenvolvimento da ONU estima que o PIB nos territórios ocupados aumentou 6,8% em 2009. A fase correspondente ao segundo ano desse plano, recentemente divulgada, leva o título de “A caminho para a liberdade”.

A Autoridade Palestina acaba de lançar campanha de propaganda (“Sou parceiro”), orientada para a opinião pública israelense. Divulgando a imagem dos principais negociadores da AP, visa a desmascarar o mito de que Israel não tem parceiros palestinos para a paz.

É verdade que Abbas relutou muito antes de decidir ir a Washington. A Liga Árabe e a Autoridade Palestina esperavam que saísse algum acordo sobre as fronteiras, dos quatro meses de conversações indiretas, acordo que anunciaria melhores perspectivas para as conversações diretas. Se as fronteiras oeste da Palestina fossem demarcadas, pensava a AP, ficaria evidente que as colônias exclusivas para judeus construídas em áreas incluídas como território de Israel seriam controladas por Israel; e que caberia aos palestinos decidir o destino das colônias israelenses localizadas em território reconhecido como território palestino. Agora, estamos às vésperas do fim dos dez meses da moratória parcial que conteve (embora não tenha suspendido completamente) o ritmo das construções de colônias exclusivas para judeus, e que expirará dia 26/9. E ninguém sabe com clareza se as construções serão retomadas, se a moratória será prorrogada, nem onde, afinal, as construções devem parar definitivamente.

O envolvimento do governo Obama é outro motivo para otimismo. Com os EUA mediando conversações tripartites e comprometidos a permanecer por um ano nas negociações, os Palestinos podem esperar que Israel faça mais do que apenas oferecer provocações aos delegados negociadores da Autoridade Palestina.

Apesar do que disse o presidente Obama, semana passada – que os EUA não podem desejar qualquer acordo de paz, mais do que o desejem as partes diretamente envolvidas na negociação –, os EUA, pelo simples movimento de participar das negociações, manifestam claro interesse, também, pela paz. A criação de um estado palestino viável, independente e contínuo já foi declarada por dois presidentes dos EUA, Obama e Bush, como solução que interessa aos EUA. E as conversações parecem estar cronologicamente associadas ao calendário eleitoral nos EUA. Organizar conversações de paz nesse momento, garante ao presidente Obama exposição positiva na imprensa, com fotos e manchetes, antes das eleições de meio de mandato. E haverá tempo para uma eventual intervenção mais firme, antes de que se inicie a campanha para a reeleição de Obama.

A Autoridade Palestina tem boas razões para esperar que nasça, afinal, o Estado Palestino independente. Se for resultado de conversações de paz, tudo bem. Mas se as conversações falharem, por obstrução dos israelenses, não restará alternativa ao governo da AP, além de declarar unilateralmente a independência do Estado da Palestina e esperar pelo reconhecimento da comunidade mundial. Os EUA que testemunhem a conduta dos negociadores da AP na sala de negociações ao longo do próximo ano terão de decidir se reconhecerão o novo Estado ou se continuarão a deixar que o conflito se aprofunde.



Nota de rodapé

[1] No original, esse artigo não diz com clareza, nunca, que essa é, exclusivamente, a posição do governo Abbas da Autoridade Palestina. Em todos os casos em que aqui se lê “governo da Autoridade Palestina”, lê-se, no original, “os palestinos”. A tradução corrigiu esse erro e trabalhou para trazer à tona o significado ocultado no original. Esse artigo, na versão original, com suas ocultações, está comentado hoje em “Obama Calculates Israel-Palestine Timing to Short-Circuit AIPAC”, Robert Dreyfuss [“Dreyfuss Report”], The Nation, 7/9/2010, traduzido pelo Coletivo de Tradutores da Vila Vudu em: "Obama calcula o timing para cercar o AIPAC" .


O artigo original, em inglês, pode ser lido em: Even if peace talks fail, Palestine's independence is inevitable