sábado, 28 de agosto de 2010

O ocidente não está ajudando o Paquistão

Paquistão: Enchentes

27-29/8/2010, Tariq Ali, Counterpunch (edição de fim de semana)
Traduzido pelo coletivo Vila Vudu

Um desastre de proporções bíblicas: as enchentes provocadas por pesadas chuvas de monções durante o mês passado, já afetaram mais de 17,2 milhões de pessoas e mataram mais de 1.500, segundo os órgãos paquistaneses que trabalham no que deveria ser o atendimento aos flagelados. Esse ano, as chuvas não pararam, razão pela qual as enchentes alcançaram as proporções que se vêem. Quase 2.000 mortos e mais de 20 milhões de desabrigados. Os desastres provocados pelo homem – a guerra no Afeganistão, que respinga também no Paquistão – não bastaram. Agora, o país enfrenta também desastres naturais. Seria difícil para praticamente qualquer governo, mas, no Paquistão, o governo está virtualmente paralisado.


Ao longo dos últimos 60 anos, a elite paquistanesa jamais conseguiu construir qualquer infraestrutura social para os paquistaneses. É um dos defeitos estruturais profundos que afeta duramente a maioria da população. Hoje, os líderes paquistaneses seguem cegamente os ditames neoliberais do FMI, como único meio de manter o fluxo de empréstimos para o país. Se para pouco servem nos bons tempos, esses empréstimos são absolutamente inúteis quando o país enfrenta a mais terrível crise humanitária das últimas décadas.


A resposta do ocidente foi contida. Nem se pode dizer que tenha sido generosa, o que provocou pânico em Islamabad e levou jornalistas pró-EUA no país a dizer que, se não chegasse ajuda imediata, os terroristas tomariam conta do país. É completo nonsense. O Exército Paquistanês controla tudo. Grupos religiosos e outros reúnem doações em dinheiro e ajudam alguns desabrigados. Tudo normal.


Desde o 11/9, uma onda sinistra de islamofobia cresce na Europa e em muitas partes dos EUA. Recente pesquisa de opinião na Grã-Bretanha “multicultural” revelou que, perguntados sobre o primeiro pensamento que lhes ocorria ao ouvir a palavra “Islã”, mais de 50% dos entrevistados responderam “terrorista”. E não é diferente na França, Alemanha, Holanda e Dinamarca.


Esse modo de tratar o Islã como o “outro” eterno, tem a ver com as guerras no Iraque e no Afeganistão, mas é atitude tão errada quanto o antissemitismo que desencadeou preconceitos e genocídio na primeira metade do século 20. Um milhão de iraquianos morreu desde que o Iraque foi ocupado: quem liga? Civis afegãos morrem todos os dias: a culpa é deles. Paquistaneses afogam-se nas enchentes. Indiferença. Por isso, com certeza, a resposta de solidariedade ao Paquistão foi tão limitada.


Zardari junta-se ao Clube dos Sapatados, com Bush


Outra das razões é doméstica. Muitos cidadãos de origem paquistanesa com os quais falei nas últimas semanas relutam em mandar dinheiro, porque temem que tudo acabe nos grandes bolsos dos corruptos que governam o Paquistão.


Logo que as enchentes começaram, o presidente partiu para a Europa. Tinha de vistoriar propriedades; seu filho tinha de ser coroado futuro líder do Paquistão em Birmingham, Inglaterra.


“Milhares de mortos. O presidente tira férias”. A televisão europeia mostrava imagens de um país que se afogava, e o presidente estava a caminho, para férias em seu castelo do século 16 no interior da França. A coroação em Birmingham foi adiada. Foi demais, até para os legalistas. Zardari pronunciou um discurso impressionante, e um ancião da Caxemira, enfurecido pela quantidade de palavras sem qualquer conexão com a realidade, levantou-se e jogou um de seus sapatos contra o presidente-empresário, chamando-o de “corrupto e ladrão”. Zardari abandonou o recinto, furioso. O maior jornal do Paquistão escreveu em manchete: “Zardari junta-se ao Clube dos Sapatados, com Bush”.


Alguns manifestantes ergueram sapatos contra cartazes de Zardari, outros levavam cartazes em que se lia “Milhares de mortos. O presidente tira férias” e “Os Zardaris passeiam pela Inglaterra, enquanto o Paquistão morre afogado?” Nada disso ajuda a recolher dinheiro para ajudar os flagelados.


A televisão europeia mostrava imagens de um Paquistão que tentava sobreviver à crise dos seus mais pobres, enquanto um helicóptero da Força Aérea francesa transportava o homem mais rico do Paquistão para sua mais extravagante propriedade, um castelo francês do século 16, Manoir de la Reine Blanche, com seus cinco acres de parques, lagos e florestas. Construído originalmente para a viúva do rei Philippe VI, é hoje propriedade do “herdeiro” de milhares de paquistaneses mortos. Como é possível que tenha comprado um castelo na França? No Paquistão, todos sabem: com o suborno que lhe pagam empresas que investem no Paquistão.


No Paquistão, o grupo Jang, maior império de mídia do país, foi instruído pelo governo a não divulgar, pela rede GeoTV, imagens do incidente da sapatada. O grupo ignorou as instruções e, além das imagens, entrevistou o homem que atirara o sapato.


Não conseguiram dominar o YouTube. Mas os homens de Zardari tiraram do ar a rede GeoTV e outra rede, ARY, na região de Karachi e em partes de Sind. E centenas de jiyalas de Zardari – do partido de Zardari – reuniram-se à frente da sucursal da rede em Karachi, jogando pedras e sapatos. Reagiam contra a decisão do canal Geo de noticiar o incidente da sapatada.


Jornais do grupo Jang ardem, em chamas, por toda a cidade de Karachi. Não se vê nem sinal da polícia. Reação do grupo: os canais de televisão passaram a exibir clips de discursos de Benazir Bhutto defendendo a liberdade de expressão. As enchentes continuam...


O artigo original, em inglês, pode ser lido em: Floods for Pakistan; Floods of Money For its Leader