quinta-feira, 5 de agosto de 2010

O ESPETÁCULO DOS DEBATES

Laerte Braga


Quando o candidato José Arruda Serra disse a jornalistas que debates entre presidenciáveis devem ocorrer apenas com a presença daqueles que têm alguma representatividade estava jogando qualquer princípio democrático no lixo.


O que é representatividade?


As grandes redes de televisão no Brasil costumam argumentar que apenas os candidatos com maior intenção de votos, aferida por pesquisas, devem participar para tornar o debate mais esclarecedor e criar melhores condições para que o cidadão possa definir. Usam como exemplo as eleições nos EUA.


Ora, um cidadão, por si só, é alguém com representatividade. No gozo dos seus direitos políticos tem o voto como um dos instrumentos capazes de materializar esses direitos. E essa representatividade.


Como dizer que o candidato Plínio de Arruda Sampaio, do PSOL, não tem representatividade? Porque tem quase dois ou três por cento das intenções de voto? Ou o secretário geral do Partido Comunista Brasileiro, Ivan Pinheiro? E José Maria, do PSTU?


Essa exclusão é limitar o processo eleitoral, é criar um arremedo de processo democrático, ainda mais num país onde cada TRE (Tribunal Regional Eleitoral) entende a lei da Ficha Limpa a partir de critérios diferentes. Roriz não pode (claro é um assaltante de cofres públicos), mas Jáder Barbalho, idem, pode.


E o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) não tem a menor idéia de como resolver o impasse que, com certeza, vai acabar no STF (Supremo Tribunal Federal).


Justiça Eleitoral em si, com a estrutura que temos, é uma aberração. Se atentarmos para o chamado mundo institucional aqui e em países dito mais adiantados, ou com democracia que consideram plena, eleições são regulamentadas por legislação que muitas vezes é secular, os princípios básicos e simples de um acontecimento assim e coordenadas por juntas eleitorais formadas num espectro representativo da chamada sociedade civil organizada, inclusive partidos.


Aqui inventaram a infalibilidade da urna eletrônica. Desde que nunca dê pane.


Os limites impostos pela Justiça Eleitoral, inclusive aceitar a exclusão de determinados candidatos de debates em redes nacionais de tevê, contrariam todo e qualquer princípio ou pressuposto de eleição livre e democrática.


Debates entre presidenciáveis é apenas um show. Uma luta de boxe sem luvas e sem murros. Nunca uma tentativa de apresentar e discutir programas, mas de mostrar maior ou menor agilidade na capacidade de complicar o adversário e enrolar o eleitor.


Como dizer que um cidadão do porte de Plínio de Arruda Sampaio não tem representatividade? Tem a mesma que historicamente em momentos da vida nacional tiveram figuras como Sobral Pinto, Evandro Lins e Silva, e tem hoje Oscar Niemeyer.


Ou Ivan Pinheiro? Líder sindicalista, uma longa vida de luta política, inclusive o resgate de seu partido que um pulha da política, Roberto Freire, tentou guardar a legenda na geladeira para evitar atrapalhar planos e projetos pessoais dele e de grupos. Como excluir José Maria, PSTU, um partido presente em vários setores da luta sindical, estudantil, do movimento popular?


Por que? Poderiam incomodar os chamados grandes? Perguntar a Arruda Serra por exemplo a razão da compra de trens imprestáveis para o metrô de São Paulo? Os altos custos dos pedágios nas estradas estaduais paulistas? Os baixos níveis da educação e da saúde em São Paulo, resultados de doze anos de administração tucana?


Questionar a candidata Dilma Roussef sobre concessões feitas pelo governo Lula a setores das elites que levam bancos a viverem o melhor momento de suas histórias? E tantas outras? As políticas que definham salários de aposentados na malfadada reforma da Previdência iniciada no governo FHC?


Mostrar que Marina da Silva jogou fora sua história e aliou-se a empresários predadores da Amazônia e está sendo financiada por eles na balela do desenvolvimento sustentável (sustenta a candidatura dela e os interesses deles)?


Um debate, em tese, deve permitir ao cidadão/eleitor que tome conhecimento das propostas, do programa de cada candidato. Onde isso acontece?


A GLOBO, dona do futebol e da CBF no Brasil, transferiu o jogo São Paulo versus Internacional, semifinal da Libertadores da América de quarta para quinta-feira com o intuito de esvaziar o debate da rede concorrente, a BANDEIRANTES. Quer arrogar a si o privilégio de oferecer ao distinto telespectador o show da democracia. O espetáculo dos gladiadores contemporâneos, num ring do qual não participam aqueles que não conseguem atingir determinado patamar nas pesquisas de opinião pública, muitas delas montadas, como acontece com o DATAFOLHA, e quase sempre com o IBOPE.


Aceitar esse jogo é jogar por terra a essência do processo democrático. É tentar definir o voto num direto bem aplicado, mesmo que seja um golpe baixo, ou uma jogada decidida por um marqueteiro, que nada daquilo que se diz seja verdade, à medida que as redes de tevê e particularmente a GLOBO entendem que o País deve ter um presidente afinado com os interesses que representam.


Não é uma questão de democracia é de índice de audiência. Índice de audiência significa um volume maior de patrocinadores, representa cumprir o dever de submissão às elites. Transforma as redes de tevê em senhoras do pensamento e da vontade induzidas do cidadão/eleitor, no crescente trabalho de alienação geral.


Esse é o objetivo deles.


Ao citar os três candidatos que citei acima, Plínio de Arruda Sampaio, Ivan Pinheiro e José Maria, não estou entrando no mérito de seus programas, seus propósitos, são todos homens públicos sérios, dignos, com história, mas reivindicando o direito de ouvi-los tanto quanto a qualquer outro chamado grande.


Arruda Serra não tem a menor idéia do que é representatividade. É que representa interesses de potência estrangeira, de grupos econômicos nacionais e estrangeiros e só conhece esse lado da história. É pago para isso.


Da mesma forma que exclui candidatos chamados “nanicos” (por que?), exclui nordestinos, exclui os do norte do Brasil, do Centro-Oeste, as populações carentes do Sudeste e do Sul, traz o preconceito dentro de si e isso é característica tucana, a genética de mau caratismo golpista. Permeia boa parte do PT também.


O sistema de dois turnos existe para que, em tese, todos os candidatos possam se apresentar e aos seus programas. A antiga lei de propaganda gratuita, do ex-deputado e ministro do STF Adauto Lúcio Cardoso, assegurava a proporcionalidade entre os partidos, mas um tempo mínimo decente a cada partido e exigia que a apresentação fosse ao vivo para evitar os truques da imagem/objeto.


A ditadura acabou com isso, provocava a discussão e o debate e permitia ao cidadão/eleitor uma clara visão de cada partido ou candidato e assim definir seu voto, mas a democracia mantém, agora por conta dos interesses de marqueteiros, fabricantes de marcas diversas de sabão em pó travestidas de candidatos a presidente da República.


Quando ouço falar em choque de gestão me lembro do ex-governador Minas, Aécio Neves. Construiu um monumento a “eficiência administrativa”, algo que lembra a obra de Kafka, já em processo de decomposição (às pressas para inaugurar ainda em seu governo), quando poderia ter construído pelo menos 200 mil casas populares. Ou corrigido o salário de fome pago a professores da rede estadual. Cuidado da saúde que se prestou apenas a um jantar para prefeitos e vereadores e fomentar a campanha de um candidato a deputado federal que, por si só, deveria estar varrido pela Ficha Limpa. Mas não, deve ser o mais votado no estado.


Esse é só modelo FIESP/DASLU. Sonegador, portanto criminoso, que não tem nada a ver com a democracia.


E, legalmente ainda dizem que tevês são concessões do poder público e têm o dever de levar informações corretas, cultura, veicular lazer recheado de respeito ao cidadão, etc, etc.


Devem achar que o JORNAL NACIONAL e o BIG BROTHER BRASIL desempenham esse papel.


Ou que o problema do goleiro Bruno é o principal fato dos tempos recentes, logo após a tragédia que matou a menina Nardoni.


Hoje, a preocupação da turma global é com os seios de Luísa Brunet que teria exagerado na transparência.


Há uma outra forma de transparência que também deveria estar presente em cada veículo de comunicação.


Como indispensável adorno dos objetos produzidos agora, como demonstração geral da racionalidade do sistema, e como setor econômico avançado que molda diretamente uma multidão crescente de imagens-objetos, o espetáculo é a principal produção da sociedade atual”

(Debord, A SOCIEDADE DO ESPETÁCULO, Contraponto, RJ).


“O espetáculo é o momento histórico que nos contém”

(idem)


E deliberado, é lógico.