sábado, 14 de agosto de 2010

No telejornal: como a mudança climática te afeta



Imagens como esta revelam a mudança climática, o aquecimento global e a cumplicidade das autoridades chinesas com as tragédias anunciadas.

13 de agosto de 2010, coluna semanal de Amy Goodman

As reportagens diárias a respeito do clima e da previsão do tempo, apresentadas alegremente com gráficos coloridos e animação de última geração, parecem transmitir cada vez mais informação.

No entanto, sem importar o quão chamativa seja a apresentação, um fato fundamental é sistematicamente omitido. Imaginemos se, depois de salientar a expressão “condições climáticas extremas” para chamar nossa atenção, os relatórios indicassem o termo genérico “aquecimento global”. Então não ficaríamos apenas inteirados se devemos pôr roupas mais leves ou levar guarda-chuvas, senão de que temos que fazer algo a respeito da mudança climática.

Apresentei esta questão a Jeff Masters, co-fundador e diretor de meteorologia de Weather Underground, um serviço de informação meteorológica através da Internet. Masters escreve um blog sobre o clima que tem muitos leitores e não evita vincular as condições meteorológicas extremas com a mudança climática:

“Calor, calor, calor é o nome do jogo neste ano no planeta Terra”, diz o meteorologista Jeff Masters, enquanto o mundo está afetado por eventos climatológicos extremos que têm provocado a morte de milhares de pessoas e a deslocação de milhões.

Os incêndios florestais na Rússia cobriram o país de fumaça, exacerbando o que tem sido o verão mais quente nesse país nos últimos mil anos. As chuvas torrenciais na Ásia provocaram grandes inundações e deslizamentos de terra mortais no Paquistão, Cachemira, Afeganistão e China. Um grande bloco de gelo desprendeu-se da Groenlândia, deixando uma ilha de gelo quatro vezes maior do que a ilha de Manhattan navegando no oceano. A seca ameaça ao Níger e à toda região africana do Sahel.

Masters relaciona estatísticas nuas e cruas entre si:

- Em 2010 registraram-se temperaturas máximas históricas em mais países no mundo em um único ano: 17.

- A última década foi a mais quente já registrada.

- A primeira metade de 2010 foi o semestre mais quente na história do planeta.

- Os cinco meses mais quentes da história na zona tropical do Atlântico ocorreram neste ano (o que provavelmente provocará furacões mais freqüentes e severos no oceano Atlântico).

“Cada vez mais teremos anos como este, quando ocorrem acontecimentos de uma magnitude incrível, provocando mortes e uma tremenda destruição. O que me preocupa é que na medida em que estas condições climáticas extremas continuem aumentando nas próximas décadas, e também aumente a população, a capacidade da comunidade internacional de responder a estes desastres e brindar ajuda às vítimas se verá forçada ao limite”.

E, no entanto, as negociações da ONU sobre mudança climática parecem estar rumando para um fracasso.

As negociações sobre o clima, realizadas na cidade de Copenhague em dezembro do ano passado chegaram a um ponto morto, depois de que as nações industrializadas encabeçadas por Estados Unidos ofereceram um acordo do tipo de ’é pegar ou largar’. Muitos países em desenvolvimento decidiram por ‘largar’. O chamado Acordo de Copenhague é visto como um documento fraco e não vinculante, um texto imposto aos países mais pobres como um estratagema para permitir a países como Estados Unidos, Canadá e Chinesa escapar das metas legalmente vinculantes de redução de emissões de gases de efeito estufa estipuladas no Protocolo de Kioto, tratado este que deve ser renovado em 2012.

A Bolívia, por exemplo, busca um acordo mundial sobre emissões mais agressivo. Está pedindo limites estritos às emissões, legalmente vinculantes, em lugar das metas voluntárias estabelecidas no Acordo de Copenhague. Depois de que a Bolívia se negou a assinar o acordo, os Estados Unidos retirou milhões de dólares em ajuda já prometidos. O embaixador de Bolívia na ONU, Pablo Solón, me disse: “Disseram que nós não apoiamos o Acordo de Copenhague, e nós dissemos: ’Podem ficar com o dinheiro. Não vamos brigar por umas moedas. Estamos lutando pela vida’”.

Ainda que a Bolívia tenha conseguido aprovar uma resolução na ONU no mês passado, reconhecendo a água e o saneamento como um direito humano, algo sem precedentes para este órgão internacional, isto não muda o fato de que à medida que se derretam as neves perenes da Bolívia, como conseqüência da mudança climática, seu fornecimento de água está sob ameaça.

As nações localizadas em ilhas do Pacífico, como Tuvalu, poderiam desaparecer do planeta se os níveis do mar continuar aumentando, o que é outra conseqüência do aquecimento global.

A próxima conferência da ONU sobre a mudança climática vai acontecer em Cancun, México, em dezembro deste ano. As perspectivas de conseguir ali um consenso mundial com compromissos vinculantes parecem cada vez mais improváveis. Em definitiva, a política dos Estados Unidos, o maior contaminador na história da humanidade, tem de mudar. Isto somente acontecerá se o povo estadunidense fizer a conexão necessária entre o clima local do país e a mudança climática mundial. Sendo esta a necessidade, quer maneira melhor para fazer essa conexão do que replicar diariamente esta ameaça através das reportagens e matérias de serviço de previsão do tempo? A este respeito, o meteorologista Jeff Masters explicou qual é o ponto crucial do problema:

“Muitos meteorologistas da televisão são muito céticos, não crêem realmente que a mudança climática seja provocado pelo homem. Foram seduzidos pela opinião imposta pela indústria dos combustíveis fósseis de que os seres humanos não são realmente responsáveis, e por isso podem inventar qualquer tipo de desculpas. Eu não sei se já escutei a todas estas mentiras, tais como: que os cientistas do clima estão fazendo isto para captar atenção e dinheiro para pesquisa, que os registros de temperatura são alterados porque a ilha de calor afeta às cidades, e por aí vai. Mas tudo isso não passa de propaganda imposta pelos escritórios de relações públicas da indústria dos combustíveis fósseis, e têm convencido a muitos meteorologistas da televisão. Então, é um caminho difícil porque estamos travando uma batalha contra um inimigo que está muito bem financiado, e que está decidido a desinformar sobre o que diz a verdadeira ciência”.

Quem sabe não deveria ser um meteorologista a dizer para onde o vento está soprando.
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Denis Moynihan colaborou na produção jornalística desta coluna.

© 2010
Amy Goodman

Texto traduzido do castelhano e revisado do original em inglês por Bruno Lima Rocha; originalmente publicado em português em Estratégia & Análise

extraído de
Democracy Now!