sábado, 7 de agosto de 2010

MEMORANDUM AO PRESIDENTE OBAMA (Assunto: Ataque ao Irã)

De: Veteran Intelligence Professionals for Sanity (VIPS) [1]

ASSUNTO: Ataque ao Irã

DATA: 3/8 /2010

Traduzido por Caia Fittipaldi


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Presidente Obama,


Escrevemos para alertá-lo da possibilidade de que Israel ataque o Irã talvez ainda em agosto. Esse ataque levará à guerra mais ampla.


Os estrategistas israelenses trabalham com o dado segundo o qual, iniciada a guerra, o presidente dos EUA estará politicamente encurralado e nada mais poderá fazer além de apoiar Israel, não importa como comece a guerra. E que, então, haverá fluxo regular de soldados e armas norte-americanas, e a guerra poderá continuar. Mas o resultado da guerra estendida que se seguirá levará à destruição do Estado de Israel.


Ainda há tempo para deter esse movimento, mas só se o senhor mover-se com rapidez para impedir que Israel ataque o Irã.


A única via que resta é o senhor, em declaração pública e bem clara, condenar o movimento antes de Israel atacar o Irã.


É nossa opinião que comentários feitos por altos funcionários dos EUA, o presidente inclusive, refletem confiança não-razoável no primeiro-ministro de Israel [Binyamin] Netanyahu.


De fato, até a construção das frases é reveladora, como quando o diretor Panetta, da CIA, deixa subentendido que o ‘cavalheirismo’ obrigaria Washington a deixar a cargo de Israel decidir se e quando atacar o Irã, e o ‘espaço’ que se deveria limitar para os esforços diplomáticos.


Dia 27/6, Panetta, falando como que casualmente, disse a Jake Tapper, da rede ABC: “Acho que [os israelenses] estão querendo nos dar espaço para tentar modificar o Irã com diplomacia (...) antes de se ter de mudar o Irã militarmente.”


O senhor, presidente Obama, usou o mesmo tom descontraído, ao referir-se a Netanyahu e ao senhor, em entrevista do dia 7/7 à TV israelense, tom evidentemente deslocado, se se consideram décadas de história e contatos com líderes políticos israelenses.


“Entre nós dois, nenhum tenta surpreender o outro” – disse o senhor. E que “o primeiro-ministro Netanyahu está comprometido com essa abordagem”. O presidente talvez deva pedir ao vice-presidente que o relembre sobre o tipo de surpresa que encontrou em Israel.


A dissimulação é, há muito tempo, flecha que Israel sempre tem à mão. No início da crise do Oriente Médio, na primavera de 1967, alguns de nós testemunharam verdadeira avalanche de 'surpresas' e fingimento dos israelenses, por exemplo, quando os antecessores de Netanyahu fingiram temer ataque dos árabes, que disseram que estaria próximo, para justificar um ataque, que iniciou uma guerra para ocupar territórios árabes. Todos sabemos, desde aquela época, que Israel sempre exagera a “ameaça” árabe. Por exemplo, em 1982, o ex-primeiro-ministro israelense Menachem Begin confessou, em público:


“Em junho de 1967, tínhamos uma escolha. As concentrações do exército egípcio perto do Sinai não provam que [o presidente egípcio] Nasser estivesse prestes a nos atacar. Temos de ser honestos com nós mesmos. Nós decidimos atacá-los.”


A verdade é que Israel preparou-se militarmente bem e até montou cenário de provocações contra seus vizinhos, para induzi-los a responder, de modo que a resposta pudesse ser usada para justificar a invasão para expansão de fronteiras.


Considerados esses registros, seria aconselhável receber com dose apropriada de ceticismo todas as promessas que Netanyahu tenha feito privadamente ao presidente, de que Israel não o surpreenderá com um ataque ao Irã.


O cálculo de Netanyahu

Netanyahu crê que está jogando com as cartas mais altas, em larga medida por causa do apoio que recebe do Congresso dos EUA e da mídia norte-americana, ambos sempre pró-Israel. E interpreta a relutância do presidente dos EUA – que não mencionou as questões bilaterais controversas durante sua recente visita – como comprovação de que Israel tem os EUA sob controle, nesse relacionamento.


Em anos de eleições nos EUA (também nas eleições de meio de mandato), os líderes israelenses confiam ainda mais firmemente no próprio poder (e no poder do lobby do Partido Likud no Congresso). como força que controla o cenário político nos EUA.


O atual primeiro-ministro de Israel aprendeu bem as lições de Menachem Begin e Ariel Sharon.


A atitude de Netanyahu transparece bem evidente em vídeo gravado há nove anos e exibido pela televisão em Israel, no qual se gaba de o quão facilmente induziu o presidente Clinton a crer que ele, Netanyahu, estaria ajudando a aplicar as decisões do Acordo de Oslo, quando, de fato, as estava destruindo.


Naquele vídeo, vê-se a atitude de desprezo – e de deslumbramento – por os EUA se deixarem influenciar tão facilmente por Israel. Netanyahu diz:


“A America é coisa que se conduz facilmente, na direção certa. Eles não nos atrapalharão. 80% dos norte-americanos nos apóiam. É absurdo.”


Para Gideon Levy, do jornal israelense Ha'aretz, esse vídeo mostra Netanyahu como “rematado farsante (...) que acha que tem Washington no bolso do colete e pode guiá-la como se fosse cega. E esse comportamento não mudou com o passar dos anos.”


Como já se disse acima, Netanyahu teve instrutivos exemplos dos quais aprender.


Ninguém menos que o general Brent Scowcroft disse ao Financial Times que o ex-primeiro-ministro israelense Ariel Sharon “hipnotizou” George W. Bush; que “Sharon fazia dele o que quisesse, como se fosse um chaveiro pendurado no dedinho.”

(Scowcroft foi imediatamente demitido do prestigioso posto de presidente do Conselho de Aconselhamento Presidencial para Assuntos de Inteligência Internacional e proibido de por os pés na Casa Branca.)

Se for preciso mais provas do apoio com que Netanyahu pode contar no governo dos EUA, basta lembrar o que se viu na recente visita dos senadores McCain, Lieberman e Graham a Israel, na segunda semana de julho.


Lieberman disse que Israel conta com amplo apoio no Congresso para usar quaisquer meios, “para adotar medidas militares, se for preciso” para impedir que o Irã converta-se em potência nuclear. O senador Graham foi também explícito: “O Congresso [dos EUA] zela por Israel”.


Mais recentemente, 47 deputados Republicanos assinaram declaração (HR 1.553) na qual declaram “apoio ao direito de Israel de usar todos os meios necessários para enfrentar e eliminar a ameaça nuclear iraniana (...) inclusive com recurso a força militar.”


O poder do lobby do Partido Likud, especialmente em ano eleitoral, facilita a ação de Netanyahu para convencer os seus raros colegas que ainda precisam ser convencidos, de que não haverá momento mais auspicioso para promover “a mudança do regime” em Teerã.


E – como esperamos que os conselheiros presidenciais já tenham informado ao presidente –, a mudança do regime, não as armas nucleares que não existem no Irã, é o principal interesse de Israel.


Se uma ou duas bombas atômicas iranianas pudessem alterar o jogo – não obstante o que diga Israel –, seria de esperar que Israel se agarrasse com unhas e dentes à chance de ver metade do urânio baixo-enriquecido do Irã ser mandado para longe.


Mas não. Em vez disso, Israel declarou que o acordo tripartide, negociado por Turquia e Brasil e pessoalmente encorajado pelo presidente dos EUA, seria “uma manobra”. Estranha “manobra”, se fosse, que põe metade do urânio baixo-enriquecido iraniano completamente fora do controle de Teerã.


O documento “National Intelligence Estimate” (NIE)

Os israelenses não tiraram os olhos, observando atentamente, os esforços da inteligência dos EUA para atualizar, com um novo “Memorandum to Holders”, o antigo NIE de novembro de 2007 sobre o programa nuclear iraniano. Vale a pena lembrar algumas das ideias centrais daquele documento:


“Entendemos, com alta confiabilidade, que no outono de 2003 Teerã suspendeu seu programa de armas nucleares. Entendemos, com média confiabilidade, que Teerã não reiniciou o programa que havia em meados de 2007, mas não se sabe se atualmente tem planos para desenvolver armas atômicas (...)”.


No início de 2010, em depoimentos públicos ao Congresso, o ex-diretor da National Intelligence Dennis Blair (1-2/2) e o diretor da Defense Intelligence Agency general Ronald Burgess, com o vice-presidente do Conselho do Estado-maior general James Cartwright (14/4), não alteraram essas conclusões.


Blair e os demais confirmaram as conclusões da comunidade de inteligência quanto a esse ponto-chave. Como Blair declarou recentemente: “Só não podemos dizer hoje, se o Irã, algum dia, decidirá construir uma bomba nuclear.”


A mídia supernoticiou os comentários de Panetta e do presidente, com conclusões diferentes e mais sombrias. O senhor, presidente Obama, disse à televisão israelense que “todos os indicadores mostram que eles [os iranianos] estão de fato trabalhando para construir uma bomba atômica”. E Panetta disse à rede ABC, “Acho que eles continuam a trabalhar em projetos nessa área [da fabricação de armas atômicas].”


Panetta apressou-se a dizer, contudo, que em Teerã, “Há debate continuado, nesse momento, sobre se devem ou não prosseguir com a bomba.”


Israel provavelmente crê que deva dar mais peso ao depoimento oficial de Blair, Burgess e Cartwright, que seguem o NIE anterior. E os israelenses temem que, com a tantas vezes adiada divulgação do Memorando-revisão do NIE de 2007, se confirmarão, na essência, as avaliações de 2007.


Nossas fontes asseguram que uma revisão honesta do NIE 2007 fará precisamente isso, e suspeitam que o adiamento de vários meses para a divulgação da revisão significa que as avaliações da inteligência estão sendo ‘corrigidas’ para ‘combinarem’ com as decisões políticas – exatamente como já foi feito antes de os EUA atacarem o Iraque.


Uma guerra projetada

Em novembro de 2007, as conclusões principais do NIE 2007 meteram uma trava de aço na engrenagem da máquina de guerra de Dick Cheney que, antes delas, já marchava acelerada para a guerra contra o Irã. O NIE enfureceu os líderes israelenses, que planejavam atacar o Irã antes do final do mandato do presidente Bush e de seu vice Cheney. Agora, Netanyahu teme que a divulgação de um Memorando-revisão honesto tenha efeito semelhante.


Conclusão: mais um incentivo para que Israel ataque o Irã, antes tarde do que nunca, porque é possível que a divulgação de um Memorando-revisão honesto impeça o ataque. E o ataque impedirá a divulgação do Memorando.


O anúncio, semana passada, de que funcionários dos EUA reunir-se-ão com funcionários do Irã, para reiniciar as conversações sobre o enriquecimento do urânio iraniano baixo-enriquecido que será usado no reator de pesquisas em Teerã, foi boa notícia para todos, exceto para os líderes israelenses.


Além disso, o Irã já declarou que está preparado para suspender o enriquecimento do urânio a 20% (nível de enriquecimento necessário para o reator de pesquisas médicas), e também já deixou bem claro que considera bem-vindo o reinício das conversações.


Repetindo: um acordo que obrigue o Irã a mandar para outro país praticamente a metade de todo o seu urânio baixo-enriquecido, é garantia de que, no mínimo, retarda-se muito o processo de fabricar bombas atômicas, na hipótese de que, algum dia, o Irã resolva fabricá-las. Mas é arranjo inconveniente do ponto de vista de Israel, porque Israel perde o mais convincente argumento que tem para justificar a guerra ao Irã.


Resultado: com as conversações que os líderes israelenses já chamaram de “manobra” agendadas para recomeçar em setembro... cresce a pressa, em Telavive, para atacar o Irã antes de que haja qualquer conversação e acordo.


Repetindo: o objetivo de Israel é a mudança de regime no Irã. Inventar o medo de armas nucleares iranianas é, só, um meio eficaz para ‘justificar’ o golpe. Deu certo no Iraque, não deu?


Outra guerra que tem de ser evitada

Presidente Obama,


é absolutamente necessário que o presidente, em declaração pública e bem clara, declare que não é recomendável que Israel ataque o Irã. Imediatamente depois da declaração, é indispensável que o presidente despache o almirante Mullen outra vez para Telavive, com instruções bem explícitas, dos militares para os militares: Nem pensem em atacar o Irã.


Logo depois de divulgado o NIE 2007, o presidente Bush atropelou o vice-presidente Cheney e despachou o almirante Mullen para Israel, com essa mesma, idêntica mensagem. Naquela primavera, o almirante Mullen voltou aliviado para casa, com passos firmes e grato por ter conseguido livrar-se da suspeita de que trabalhava sob ordens de Cheney, que tentava obrigá-lo a mandar o exército dos EUA à guerra contra o Irã.


Mas Mullen voltou nervoso, suando nas mãos, da visita que fez a Israel em fevereiro de 2010. Desde então, já disse várias vezes que Israel pode encurralar os EUA e nos arrastar para uma guerra contra o Irã. Também tem dito que é indispensável que o Pentágono tenha plano pronto para atacar o Irã, se for necessário.


Diferente, porém da experiência de 2008, Mullen parecia perturbado, porque os líderes israelenses não deram sinal de levar a sério os seus recados.


Em Israel, Mullen insistiu publicamente que um ataque ao Irã criaria “um grande, grande, grande problema para nós, e preocupam-me muito as conseqüências não desejadas.”


Na volta, em conferência de imprensa no Pentágono, dia 22/2, Mullen repetiu em casa o mesmo ponto. Depois de recitar a morna conversa de sempre sobre o Irã, “que estaria a caminho de alcançar competência bélica nuclear” e “sua ambição de dominar os países vizinhos”, Mullen recitou o seguinte parágrafo de declarações que trouxe escritas:


“Por hora, as alavancas diplomáticas e econômicas do poder internacional são e devem ser as primeiras alavancas a serem acionadas. De fato, espero que sempre sejam acionadas consistentemente. Mas nenhum ataque, por efetivo que seja, será, de si e por si só, decisivo.”


Diferente nisso de generais mais jovens – como David Petraeus, por exemplo –, o almirante Mullen serviu na Guerra do Vietnã. É essa experiência que o faz dizer coisas como “Gostaria de lembrar a todos uma verdade essencial: a guerra é sempre sangrenta e desigual. É confusa, é feia e é um incrível desperdício...”


Embora o contexto imediato desse comentário seja o Afeganistão, Mullen já disse inúmeras vezes que uma guerra contra o Irã seria desastre muitas vezes maior. Quem tenha familiaridade, por mínima que seja, com o que está em jogo em termos militares, estratégicos e econômicos, sabe que ele tem razão.


Outros passos

Em 2008, depois que Mullen leu para os israelenses o decreto que proibia atacar o Irã, os israelenses puseram de lado seus planos preventivos para o Irã. Com essa missão cumprida, Mullen passou a trabalhar concentradamente em meios para evitar que incidentes (no caso, principalmente os que fossem deliberadamente provocados) no super engarrafado Golfo Persa levassem a hostilidades de maior escala.


Em conferência de imprensa dia 2/7/2008, Mullen lançou um interessante balão de ensaio, ao sugerir que um diálogo militares-militares poderia “acrescentar muito ao entendimento recíproco” entre os EUA e o Irã. Mas nada mais se ouviu sobre o tema, provavelmente porque Cheney mandou-o esquecer o assunto.


Era boa ideia – e ainda é. Ainda não se está dando a atenção devida ao risco de confrontação EUA-Irã no super engarrafado Golfo Persa. É questão importante. Estabelecer linhas de comunicação direta entre os altos oficiais militares em Washington e em Teerã reduziria o risco de acidente, erro de cálculo, ou ataque por navios sem bandeira ou com falsa bandeira.


Nossa opinião é que isso tem de ser providenciado imediatamente – sobretudo porque as sanções recentemente introduzidas dão direito de acesso para inspeção a navios iranianos. O comandante da Marinha da Guarda Revolucionária do Irã já ameaçou com “resposta imediata no Golfo Persa e no Estreito de Hormuz”, caso alguém tente inspecionar navios iranianos em águas internacionais.


Outra válvula de segurança pode ser providenciada nos termos das bem-sucedidas negociações por protocolo bilateral para “incidentes no mar” que foi assinado com os russos em 1972, em período de tensões relativamente altas.


Em momento de joões-ninguéns no reino da comunidade de inteligência, é possível considerar também a via de todos nos pormos em campo e insistir, nos ouvidos certos, para que concluam rapidamente um honesto Memorando-revisão do NIE 2007, a ser divulgado em meados de agosto, e que, se necessário, pode registrar opiniões divergentes.


Notícia triste, nossos ex-colegas informam que a politização “eleitoral” da análise de inteligência não foi enterrada com o mandato de Bush e Cheney… e que o problema é grave, mesmo no Setor de Inteligência e Pesquisa do Departamento de Estado, de onde, no passado, se produziram as melhores análises, profissionais, objetivas, de analisar o que há, como há.


Imprensa e “experts”: não veem o que interessa ver

Como muitos viram, o Washington Post cedeu quase toda a primeira página da seção “Outlook”, domingo, a um artigo intitulado “A Nuclear Iran: Would America Strike to Prevent It? — Imagining Obama’s Response to an Iranian Missile Crisis” [Um Irã nuclear: os EUA devem atacar para impedir? Como Obama responderia a uma crise de mísseis iranianos?”] [2]


A página cinco, inteira, traz o resto do artigo, sob o título “Who will blink first when Iran is on the brink?” [Quem pisca primeiro, quando se trata de Irã?]


Foto de meia página de um míssil em desfile para autoridades iranianas (ao estilo das imagens de desfiles na Praça Vermelha), na dobra da seção “Outlook”, como se o míssil estivesse a um segundo da explosão.


Como sempre, os jornalistas falam da “ameaça” iraniana como se houvesse ameaça ameaçando os EUA, mesmo depois de a secretária Clinton já ter dito publicamente que não é nada disso. E lá vem, o recado jornalístico: a única opção para os EUA seria “a solitária, impopular via da ação militar, se os aliados não chegarem a um consenso.” O Tempora, O Mores!


Em menos de uma década, as guerras de agressão tornaram-se nada além de “vias solitárias e impopulares”.


O que mais espanta é que a palavra “Israel” não aparece uma única vez, em todo aquele longo artigo. E peças assemelhadas, assinadas por especialistas, muitas publicadas por think tanks relativamente progressistas, também discutem essas questões como se fossem problemas bilaterais entre EUA e Irã. É como se não vissem ou não dessem importância alguma a Israel.


As armas de agosto?[3]

O jogo é pesado, as apostas são altíssimas. Deixar que escapem os cães da guerra terá repercussões imensas. Outra vez, presidente Obama, esperamos que o almirante Mullen e outros o estejam mantendo a par do que está acontecendo.



Netanyahu joga jogo de vida ou morte se atacar o Irã, com alto risco para todos os envolvidos. No pior dos mundos, pior, mas provável, Netanyahu – não intencionalmente – será o Dr. Kevorkian [4] do Estado de Israel.


Ainda que os EUA venham a ser arrastados para guerra provocada por Israel, nada garante que a guerra leve a qualquer resultado positivo, ou que “termine bem”.


No caso de muitas baixas norte-americanas, e se os norte-americanos entenderem que nossos mortos morreram porque Israel exagerou até a loucura a ideia de que o Irã representaria “ameaça nuclear”, há risco real de que Israel perca muito do prestígio de que goza nos EUA.


Deve-se prever o ressurgimento de movimentos antissemitas nos EUA, se os cidadãos norte-americanos concluírem que políticos eleitos serviam a dois senhores no Congresso, e que o braço executivo de nosso governo lançou nossos soldados em guerra provocada, sob falsos argumentos, por Likudniks cegos a tudo que não fossem seus próprios estreitos propósitos.


Nada nos autoriza a crer que os principais atores políticos em Telavive ou em Washington sejam suficientemente sensíveis a esses fatores críticos.


Mas o senhor, presidente Obama, o senhor pode, sim, evitar que se detone essa desgraçada, mas muito provável e iminente, reação em cadeia. Concedemos que é possível que a ação militar dos israelenses contra o Irã talvez não leve a grande guerra regional, porque tudo é possível, mas avaliamos como baixa, bem baixa, a probabilidade de que não leve.


NOTA FINAL E ASSINATURAS

Os membros do grupo Veteran Intelligence Professionals for Sanity (VIPS) já enfrentamos antes situação semelhante à atual. Nosso primeiro Memorando ao Presidente foi distribuído na tarde de 5/2/2003, depois do discurso de Colin Powell na ONU.


Já há tempos acompanhávamos o processo pelo qual o trabalho da inteligência dos EUA vinha sendo corrompido e utilizado como a falsa-inteligência que mais tarde foi oficialmente (e corretamente) declarada “jamais comprovada, contraditória e inexistente” – adjetivos usados pelo ex-presidente da Comissão do Senado para Assuntos de Inteligência Jay Rockefeller, na conclusão de investigação ali conduzida durante cinco anos.


Ouvindo Powell falar, decidimos em coletivo que a única coisa séria a fazer seria tentar alertar o presidente, antes que ele agisse orientado pela “anti-inteligência” que o cercava e atacasse o Iraque. Diferentes de Powell, jamais dissemos que nossas análises seriam “irrefutáveis e inegáveis”. Concluímos nossa carta ao presidente com a seguinte mensagem de alerta:


“Depois de ouvir falar o secretário Powell hoje, estamos convencidos de que o presidente só terá a ganhar se ampliar a discussão (...) para além do círculo desses conselheiros que bem evidentemente desejam uma guerra, para a qual nós não vemos nenhuma causa ou motivo, e da qual entendemos que só podem advir conseqüências catastróficas.”


Não sentimos qualquer prazer por termos acertado no caso do Iraque. Naquele momento, vários outros grupos, alguns com bom conhecimento imediato do Iraque, acertaram tanto quanto nós e também lançaram alertas semelhantes ao nosso. Mas não conseguimos nos aproximar dos círculos que blindavam Bush e Cheney.

Infelizmente para os EUA, nosso vice-presidente, que então presidia a Comissão do Senado para Assuntos Externos, estava entre os que mais se empenharam para calar todas as vozes dissidentes. Por isso, também, fomos arrastados para o Iraque e para o pior desastre da política exterior da história dos EUA.


Sabemos que outra vez é possível que nossas análises estejam corretas e outra vez os EUA estão ameaçados por catástrofe, dessa vez ainda maior, no Irã. Outra vez o presidente, dessa vez o senhor, presidente Obama, não está sendo corretamente aconselhado pelo seu círculo mais próximo de conselheiros.


É provável que muitos à sua volta estejam dizendo ao senhor que, uma vez que o senhor já aconselhou o primeiro-ministro Netanyahu a não atacar o Irã, ele não atacará. O mais provável é que se trate, na Casa Branca, da conhecida síndrome de só dizer ao presidente o que outros suponham que o presidente queira ouvir.


Surpreenda-os, presidente Obama. Diga que há quem insista em que eles estão terrivelmente errados quanto a Netanyahu. A única coisa positiva em tudo isso é que só o presidente – o senhor e só o senhor – pode ainda impedir que Israel ataque o Irã.


[seguem-se as assinaturas, pelo grupo Veteran Intelligence Professionals for Sanity (VIPS)]

Ray Close, Diretoria de Operações, Divisão do Oriente Próximo, CIA (26 anos de serviço)

Phil Giraldi, Diretoria de Operações, CIA (20 anos de serviço)

Larry Johnson, Diretoria de Inteligência, CIA; Departmento de Estado; Departamento de Defesa (consultor) (24 anos de serviço)

W. Patrick Lang, Coronel do Exército, EUA, Forças Especiais (aposentado); Alto Serviço Executivo: Oficial da Defesa, Inteligência, para Oriente Médio/Sul da Ásia, Diretor de HUMINT, Agência de Inteligência de Defesa (30 anos de serviço)

Ray McGovern, Oficial de Inteligência do Exército dos EUA; Diretoria de Inteligência, CIA (30 anos de serviço)

Coleen Rowley, Agente Especial e Conselho da Divisão de Minneapolis, FBI (24 anos de serviço)

Ann Wright, Coronel do Exército dos EUA (aposentada) (29 anos de serviço); Funcionário do Serviço Exterior, Departamento de Estado (16 anos de serviço)


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Notas de rodapé:


[1] Veteran Intelligence Professionals for Sanity (VIPS), é organização formada em janeiro de 2003 "para falar contra o uso dos serviços de inteligência para justificar a invasão do Iraque”. É “organização nacional, costa a costa, nos EUA. Reúne funcionários dos serviços de inteligência, sobretudo analistas, mas também agentes de campo, da CIA e outras agências e serviços” (em Sourcewatch).


[2] Washington Post, 1/8/2010 (em inglês).


[3] Orig. The Guns of August, obra de história militar, de Barbara Tuchman, publicada originalmente como August 1914, em 1962 [NT].


[4] Jack Kevorkian (norte-americano, nascido em Michigan, em 1928) também conhecido como “Dr. Morte”, famoso por sua luta para que o suicídio assistido seja direito de todos. É o inventor da “máquina do suicídio” [NT].

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O MEMORANDUM, no original em inglês, pode ser lido em: Obama Warned Israel May Bomb Iran (Consortiumnews)