sábado, 14 de agosto de 2010

A FICHA LIMPA E O STF

Laerte Braga


A simples suposição que um assaltante de cofres públicos como Joaquim Roriz possa voltar a governar Brasília é repugnante. Roriz lidera as pesquisas de intenção de votos do eleitorado da capital e teve seu registro negado pelo TRE (Tribunal Regional Eleitoral), mas permanece na disputa até decisão da última instância, no caso o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.


Como o STF vai decidir a matéria, especialistas ouvidos pela FOLHA DE SÃO PAULO consideram o assunto uma incógnita. Levam em conta decisões anteriores em casos semelhantes, mas anteriores também à Lei da Ficha Limpa. Há o preceito constitucional que toda e qualquer modificação na lei eleitoral deve ocorrer um ano antes de um pleito.


Em tese, em qualquer circunstância ou qualquer que seja o crime cometido por quem quer que o cometa ou não, a presunção da inocência é válida até que ocorra o trânsito em julgado do fato, ou seja, a última decisão, aquela da qual não cabe recurso mais.


O direito brasileiro não tem características de direito consuetudinário, ou seja, aquele que deriva dos costumes e tradições, embora em determinados aspectos a lei tenda a refletir, lógico, essas características.


Mas é inaceitável que no caso, estou citando um exemplo, de Joaquim Roriz o criminoso possa se beneficiar de brechas no arcabouço legal para, durante mais quatro anos, limpar os cofres públicos de Brasília, lesar o povo de Brasília, ainda que a maioria incauta e, sejamos diretos, alienada, imagine que Roriz seja uma espécie de pai dos pobres.


Roriz é só um bandido como é Beira-mar.


Quem quer que se recorde do processo de votação da LEI DA FICHA LIMPA há de se lembrar também de manobras protelatórias e modificações feitas ao sabor dos interesses dos muitos criminosos que exercem mandatos eletivos, a começar pelo presidente do Congresso Nacional, José Sarney. Foi um parto complicado e a criança nasceu pela metade, mas nasceu.


A lei em si pretende resgatar o mínimo de dignidade a ser requerido a quem pleiteia cargo público, no todo não resolve o grave problema do analfabetismo político no Brasil. Mesmo que se diga que esse analfabetismo é conseqüência do processo de alienação constante e crescente imposto por uma mídia a serviço das elites, do grande capital, do latifúndio, enfim, da mentira e do mundo do espetáculo. Como de fato o é.


Mas é também um avanço. Expõe as vísceras desses caras, faz com que tenham que vir a público, pelo menos para exercer o direito de mentir e jurar inocência.


“Soltem esse homem, o único que diz a verdade aqui”. Um califa ao visitar uma prisão e ouvir de todos os presos aos quais perguntava, um a um, o que havia feito, que era inocente, até que alguém se disse culpado.


É difícil também imaginar que ministros do STF como Gilmar Mendes, corrupto, venal, vá deixar de votar a favor de Roriz, aliado de seu candidato presidencial José Arruda Serra e ligado ao banqueiro Daniel Dantas, um dos patrões de Gilmar.


A situação do fato consumado é outra história. O candidato é impugnado, permanece disputando as eleições até decisão final, vence, toma posse e um ou dois anos depois o STF decide, levando em conta a morosidade da Justiça no País que tanto é pelo excesso de feitos, como por corrupção mesmo, que vai desde juízes, ministros de tribunais superiores a servidores.


Aquela história de segura o meu processo aí.


É uma realidade que tem que ser admitida.


E curiosamente a população, o eleitorado, reage à lei da FILHA LIMPA como quem se vê justiçado, mas mostra intenção de votar num pilantra como Joaquim Roriz.


Um contra senso sem tamanho, uma despolitização vergonhosa e que o fator de importância passa a ser o SHOW DAS ELEIÇÕES – virou um show – ou o as receitas de Ana Maria Braga que, provavelmente, nem sabe a diferença entre uma panela e uma frigideira.


Reduzir tudo isso a expressão modelo, ou sistema, é o modelo, é o sistema, é simples demais. Ou só a uma questão cultural não é tão simples, mas não é o todo da questão.


O desafio das forças populares – os sindicatos em sua maioria viraram meio de vida, não podem mais ser incluídos entre forças da classe trabalhadora, com as exceções de praxe – falo dos movimentos sociais, é buscar formas de impedir que candidatos como Roriz, assaltantes como era José Roberto Arruda, possam disputar eleições.


O bandido que era prefeito em minha cidade, virou manchete no JORNAL NACIONAL, o da mentira, ao receber uma bolada de empresários do setor de transportes coletivos, agora é pastor, já apascenta um rebanho e diz com toda a tranqüilidade que não tem culpa nenhuma que só assinava o que lhe era posto à frente, depois que muita gente, técnicos, secretários, etc, estudavam direitinho. Hoje participa dos lucros do governo atual, tucano, na divisão de propinas montadas em seu período e que permanecem.


O diabo é o dinheiro que apareceu na casa dele, ou o restaurante à beira do Lago Paranoá da família Roriz em franco desrespeito à lei.


O ex-prefeito virou pastor, vai salvar almas, vender tijolinhos para mansões no céu, pilantragem pura e Roriz ameaça voltar. E um monte de gente assim.


Nos corredores dos tribunais a disputa é intensa também, já que uns se apegam ao fato da lei ter entrado em vigor em cima da hora, digamos assim.


A ficha limpa não é necessariamente uma questão de firula legal, detalhe constitucional, mas de necessidade imperiosa de limpeza. A tevê não vive mostrando o tal desinfetante de banheiro que pensa mais que o ser humano e libera perfumes da natureza a cada trinta minutos? Qual o problema político da FICHA LIMPA?


Claro, ninguém vai vetar uma candidatura por críticas ao poder, mas no caso de políticos comprovadamente corruptos, público e notório, caso de Roriz, Sarney, esses pilantras que pululam por aí, não é saber se a lei tem uma brecha ou não, é vergonha na cara mesmo.


Reflete a podridão no todo do institucional, ainda que lá estejam figuras sérias e decentes, mas reflete o modelo falido, fracassado e vira um desafio para os movimentos populares.


O de virar a mesa pura e simplesmente.


Organizar a mesa depois de desinfetar com álcool, nada de perfume da natureza (a natureza hoje está associada ao capital predador, campanha de Marina da Silva, a que não aprendeu a pedir demissão).


É um escárnio um sujeito como Roriz ser candidato. E dependendo da decisão final vamos precisar de uma lei para tribunais limpos. Sem criminosos como Gilmar Mendes e outros.


No duro mesmo, vamos precisar e estamos, de uma Assembléia Nacional Constituinte, uma refundação do Estado, sem todo esses remendos que só ajudam os bandidos.


E os bandidos são a síntese do modelo capitalista. São conseqüência. A corrupção pode ter um que de natureza humana, mas é essencialmente implícita ao capitalismo. Está na gênese de qualquer Eike Batista. O que atua por trás dos bastidores, o Capone que não aparece.


A questão não é técnica, isso é firula, é política. E se um político bandido como Roriz vai ter a julgá-lo, ao final, um ministro bandido como Gilmar Mendes, estamos todos malhando em ferro frio. De uma certa forma fazendo coro com a farsa. Ou como dizia Darcy Ribeiro, “cacarejar para a esquerda e botar o ovo à direita”.


A cultura pior é a que dá a dianteira em Brasília a Roriz, é a do rouba, mas faz, pai dos pobres, introjetada no cidadão comum. Um cara que devia estar na cadeia, em cela de segurança máxima. Assim como Gilmar Mendes (o que emprega uns caras da GLOBO para comprar o silêncio da rede e compra).


O candidato Wadson Ribeiro, em Minas, está despejando rios de dinheiro numa campanha no mais violento esquema financeiro possível e escudado na tal moralidade. De onde surgiu o dinheiro? Apurem as verbas liberadas pelo Ministério dos Esportes para a região da Zona da Mata Mineira e o custo real das obras, a sobra é caixa dois de campanha do dito cujo.


Essa é outra questão. Poder econômico.


Ou seja, para cada Chico Alencar, ou Luciana Genro, ou Milton Temer, ou Nilmário Miranda, ou o comandante Carlos Eugênio Paes, tem duzentos Wadson, corruptos e venais.


O xis da questão é o institucional. Está falido, é preciso enterrá-lo do contrário vamos ter leis e ao mesmo tempo Joaquim Roriz governador de Brasília.


Onde anda a corrupta senadora Kátia Abreu (desviou verbas destinadas a CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA AGRICULTURA – nome dado à quadrilha latifúndio) depois que a CPI que ela quis, provou que, ao contrário do que a GLOBO fala na propagação da mentira, não houve um único centavo de desvio do MST, nos recursos destinados aos programas do movimento?


A questão da FICHA LIMPA é muito mais ampla e pode morrer nas eternas firulas jurídicas do falta uma vírgula aqui, ou essa palavra dá direito a duas interpretações.


Para gente da espécie de Gilmar Mendes isso é aquele negócio de tirar de letra.