sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Entrevista com o professor José Sérgio Gabrielli de Azevedo, Presidente da Petrobras (agosto/2009)

Por Hamilton Octavio de Souza, Lúcia Rodrigues, Marcelo Salles e Tatiana Merlino

Fotos: Fernanda Chaves


Esta entrevista, realizada pela Revista Caros Amigos, Ano XIII número 149, agosto de 2009, pode estar um tanto desatualizada (estávamos no início da melancólica CPI da Petrobras, de tào triste memória), mas em termos gerais e pelo conteúdo pode servir de subsídio para análise do que foi dito no primeiro debate dos candidatoa presidenciais sobre o tema PETROBRAS. Principalmente a CARA-DE-PAU mostrada pelo disputante José “Arruda” Serra sobre o assunto. Castor


O economista e professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA) José Sérgio Gabrielli de Azevedo preside, desde 2005, a maior empresa do país.

No início do governo Lula, antes de ocupar o posto mais alto na hierarquia da Companhia, Gabrielli esteve à frente da Diretoria Financeira da estatal. Em pouco mais de seis anos e meio de trabalho, o baiano de Salvador, acumulou grandes êxitos na carreira de gestor, como a conquista para o país da tão almejada auto-suficiência em petróleo. Mas nenhum deles se compara à descoberta de petróleo na camada pré-sal, o hidrocarboneto encontrado abaixo da lâmina de água e do sal do fundo do mar.

A competência demonstrada na prática, no entanto, foi temida e questionada por aqueles que o julgavam um nordestino desconhecido para assumir uma empresa do porte da Petrobras.

Com o crachá pendurado no peito, como qualquer funcionário da Companhia, Gabrielli recebeu a equipe de Caros Amigos em mangas de camisa, na suntuosa sala da presidência, tendo ao fundo o Morro do Pão de Açúcar, no Rio de Janeiro.

O soteropolitano fala com desenvoltura. Em quase seis décadas de vida, aliou o preparo intelectual à prática militante. Filiado ao Partido dos Trabalhadores desde sua fundação, Gabrielli conta com orgulho que na juventude foi ativista da APML (Ação Popular Marxista-Leninista), organização clandestina de combate à ditadura militar.


- Hamilton Octavio de Souza - A gente sempre começa a entrevista pedindo ao entrevistado que conte um pouco de sua vida

José Sérgio Gabrielli de Azevedo - O José Sérgio é professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA), titular de Macroeconomia. Entrou na UFBA, em 1979. Tem 59 anos, fará 60, este ano. Além de ser um professor, o José Sérgio Gabrielli foi um militante do movimento estudantil, em 68, contra a ditadura militar.

No movimento sindical, foi dirigente do Andes (Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior), em 84. Tem doutorado em Economia pela Universidade de Boston, concluído em 87. Foi jornalista, de 69 a 72, na Bahia. É economista de 72 até hoje.

Na área acadêmica trabalhou com Macroeconomia, Economia do Trabalho e Econometria. Fez pesquisas sobre reestruturação produtiva e processos industriais. Estudou questões regionais e de desenvolvimento regional.

E participou da fundação do Partido dos Trabalhadores. Estou no PT desde 80, fui candidato a deputado federal, em 82, candidato a vice prefeito, em 86, candidato a governador, em 90. Não fui mais candidato desde então. E não pretendo ser candidato. Continuo militante político, ligado ao Partido dos Trabalhadores.

Acredito na transformação social, acredito na luta institucional e na luta dos movimentos sociais. Acredito que a mudança da sociedade, para uma sociedade mais justa, igualitária deve ser o caminho da humanidade. Acho que, do ponto de vista econômico, o país levou tempo demais com políticas de estabilização de curto prazo.

Felizmente a partir de 2003, com o presidente Lula, o país priorizou o desenvolvimento, a expansão do mercado interno, a redução das desigualdades, a diminuição da pobreza.

Desde 2003 estou na Petrobras. Entrei na Petrobras como diretor financeiro. Quando fui escolhido, como diretor financeiro, houve uma reação muito forte do mercado financeiro, principalmente, e da imprensa, que consideraram que esse professor desconhecido da Bahia ia fazer uma loucura na Petrobras. Depois de dois dias de assumir o cargo, eu estava em Nova Iorque, Londres, Milão e Tóquio. Em 2003 realizei mais de mil reuniões com representantes do mercado financeiro.

E em 2004 passei a ser reconhecido como um excelente gestor financeiro.

Em 2005, fui escolhido o melhor diretor financeiro do Brasil pelo IBEF (Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças) do Rio de Janeiro, pela Associação Nacional de Agentes Financeiros, fui escolhido como melhor gestor financeiro da América do Sul, em Nova Iorque.

Em 2008, fui escolhido como melhor gestor de empresas de petróleo do mundo pela Petroleum Economist e virei presidente da Petrobras a partir de 2005.

Estou presidente da Petrobras.

Na diretoria da Petrobras sou o único que não sou de carreira. Nesse período de Petrobras tive duas grandes satisfações. A primeira, foi ter conquistado a confiança dos petroleiros.

Não é fácil conquistar a confiança dos petroleiros, não sendo petroleiro de origem. E acho que consegui conquistar essa confiança, com políticas coerentes, com uma posição transparente e competência. Porque a meritocracia é um valor extremamente importante para a Petrobras. Ela rejeita quem não se afirma do ponto de vista técnico. E acredito que consegui conquistar isso, com uma atitude de respeito e transparência.

A segunda satisfação pessoal, mesmo sendo baiano, mesmo sofrendo toda a discriminação por ser baiano e desconhecido, ter me imposto como profissional competente para as áreas financeiras e técnicas do Brasil e internacional.

Sou uma pessoa tranqüila, consegui fazer a tarefa, que era conduzir a gigante. Evidentemente que isso não é um mérito pessoal, isso é resultado da equipe da Petrobras.

Sou professor, saindo daqui, provavelmente, voltarei para a sala de aula. Sou baiano de Salvador. Morei oito anos em uma cidade muito pequena no interior da Bahia, na região do cacau. Meu pai era médico nessa cidade. Ele voltou para Salvador quando eu tinha oito, nove anos de idade, e morreu com 50 anos de idade. Meu pai era extremamente racional e afetuoso, foi uma pessoa muito importante na minha formação, tanto de personalidade quanto de percepção social e racional. Passei a minha infância entre uma cidade muito pequena e Salvador. Minha mãe é uma mulher fantástica, tem 84 anos de idade, vive sozinha, independente, muito firme, não quer o apoio de ninguém. Mora em Salvador e me deixa preocupado, porque com 84 anos, sozinha é um problema, é professora de piano. O Azevedo é a mistura do português com índio. O Gabrielli vem do italiano e negro.

- Lúcia Rodrigues - O senhor falou que acredita na transformação social. Como a Petrobras atua para transformar a realidade do país?

R - A Petrobras é responsável pela expansão da tecnologia brasileira, é responsável pela engenharia brasileira, pela indústria brasileira em termos de capacidade de desenvolvimento tecnológico. Isso cria um efeito multiplicador, enorme, na indústria brasileira. Além disso, é importante destacar a relação da Petrobras com a sociedade organizada do país. A Petrobras concilia a extração de petróleo ao mesmo tempo em que aumenta as relações com a sociedade e com a comunidade em sua volta. Para fazer isso, evidentemente que a empresa precisa ter lucro. Essa é uma atividade que tem um enorme volume de investimentos e um enorme volume de capital.

- Tatiana Merlino - Quanto a Petrobras lucra por ano?

R - No ano passado teve um lucro de aproximadamente R$ 36 bilhões.

- Tatiana Merlino - Desse valor quanto fica para a Companhia?

R - A Petrobras distribui aos seus acionistas entre 25% a 27% de dividendos. E reinveste entre 70% a 75% de seus lucros, que viram máquinas, empregos, petróleo, gasolina, diesel. Dos 25% que ela distribui, 65% vão para mais de 700 mil acionistas da Petrobras. Entre 70% a 75% dos lucros são reinvestidos.

- Lúcia Rodrigues - Dos setecentos mil acionistas da Petrobras, quantos estão concentrados no país?

R - É difícil dizer. Porque não temos como saber quem é o acionista final dos fundos. Mas eu posso dizer que o programa de ações no mercado americano, mais os acionistas estrangeiros na Bovespa (Bolsa de Valores de São Paulo) representam 40% dos acionistas da Companhia. Portanto, aproximadamente 40% dos acionistas da Petrobras devem ser estrangeiros. Há uma diferença importante na composição do capital da Petrobras.

O governo federal tem só 37%, mas tem 56% do voto. O que lhe dá o controle da Companhia. Como é que o governo controla a Petrobras? O governo elege diretamente na assembléia geral da Petrobras, cinco dos nove membros do Conselho de Administração. Mas o governo não tem nenhum membro que está no Conselho por ser do governo.

Todos os membros do Conselho de Administração, mesmo os ministros, estão como pessoas físicas e respondem como pessoas físicas ao Conselho de Administração da Petrobras. O governo controla via orientação estratégica mensal quando o Conselho se reúne.

- Lúcia Rodrigues - Que setores estão interessados na CPI da Companhia?

R - Eu não sei. Eu suspeito o porquê de a Petrobras estar sendo atacada. Mas não sei dizer exatamente quem são. Posso dizer o porquê de estar sendo atacada.

A Petrobras incomoda. É hoje a empresa mais cobiçada do mundo.

O pré-sal é a área exploratória mais prolífica neste momento. Os interesses de acessos às reservas movimentam e ativam grandes interesses geopolíticos nacionais e internacionais.

A Petrobras é uma noiva cobiçada. É responsável por cerca de 8% a 10% do investimento brasileiro.

Só nos primeiros três meses deste ano, a Petrobras investiu R$ 15 bilhões, R$ 5 bilhões por mês. É mais de R$ 160 milhões por dia, sete dias por semana. Investimento significa emprego, atividade econômica, geração de impostos, geração de renda e movimentação econômica.

Em fevereiro deste ano, em pleno auge da crise mundial, a Petrobras apresentou o maior programa de investimento do mundo: U$ 174,4 bilhões para os próximos cinco anos.

No imaginário popular, a Petrobras é símbolo da brasilidade, do Estado realizador. É um contraponto à ideia de que só o mercado é capaz de resolver essas questões.

O conflito entre Estado e privado, mercado e planejamento, se materializa na Petrobras. No plano ideológico, a Petrobras também é alvo. Há má vontade de certos setores em relação à Petrobras e a favor de empresas menores do que a Petrobras, que foram privatizadas ou são privadas, é impressionante.

- Tatiana Merlino - Há o interesse desses setores para que a Petrobras seja privatizada?

R - Eu não diria que necessariamente esse é o interesse, mas pode ser uma consequência se se desqualifica a Companhia. Eu tentei identificar fontes de ataques decorrentes da atividade específica da Companhia, do impacto que a empresa tem na sociedade, na economia e no plano ideológico, do Estado que dá certo.

A quebra do monopólio estatal do petróleo levou a Petrobras a competir com empresas do setor privado. Competir tanto na produção de petróleo, como, principalmente, no que é mais complicado: compra de equipamentos, serviços, fornecimento e disputa do mercado de trabalho. E ao mesmo tempo estava amarrada a uma série de restrições por ser controlada pelo governo.

Isso fez com que a Petrobras tivesse de ter uma dupla eficiência. Competente no plano controlado pelo Estado e competente e competitiva com as outras empresas privadas. A Petrobras cresceu na força e na marra. Em um determinado momento foi induzida a encolher, a não expandir a área exploratória, a se organizar de forma fragmentária.

- Hamilton Octávio de Souza - Geralmente esse é o processo prévio para a privatização.

R - Exatamente.

- Marcelo Salles - O senhor está criticando o governo FHC.

R - Estou dizendo o que aconteceu. Eu não posso dizer que a empresa seria privatizada, mas seria mais facilmente privatizada se caminhasse nessa direção.

- Hamilton Octávio de Souza - Uma disputa direta com que setores?

R - Eu não acho que seja uma disputa direta. É um conjunto de questões, que envolvem a percepção do momento.

A ideia de que tudo o que Estado fazia era ruim e de que tudo o que mercado fazia era bom, dominou o mundo político e ideológico.

Se acreditava fielmente que o mercado poderia resolver todas as questões, que o planejamento era um desastre, que se deveria deixar o mercado funcionar livremente.

Foi um momento dominante. As décadas de 80 e 90 caminharam nessa direção. A partir do século 21, isso começa a mudar. E, particularmente, a partir da última crise isso muda completamente em termos de domínio ideológico.

- Hamilton Octávio de Souza - Onde ocorreu o crescimento da Petrobras?

R - O crescimento da Petrobras foi multifacetado. O primeiro vetor de crescimento importante foi o da área exploratória.

A Petrobras aumentou as áreas de exploração, intensificou o processo exploratório, expandiu seu processo de descobertas e descobriu o pré-sal. Tudo isso ocorre depois de 2003.

O segundo elemento, é que intensificou os investimentos na área de refino. De 1998 até 2006 os investimentos em refino ficaram na faixa de U$ 200 a U$ 250 milhões por ano. De 2006 para cá passaram a ser U$ 250 milhões por mês. Houve, portanto, uma enorme intensificação no investimento de refino. Hoje temos um programa para construir cinco refinarias até 2017.

- Tatiana Merlino - Como o senhor vê as críticas dos movimentos sociais latinoamericanos que afirmam que a Petrobras exerce um subimperialismo na região?

R - Acho uma critica muito interessante, porque é uma critica geralmente feita na Europa. Feita pelas ONGs da Europa.

- Tatiana Merlino - Não só. A ONG Fase lançou um livro.

R - Da Europa. As Ongs que fazem isso são da Europa.

- Tatiana Merlino - André Soliz Rada, ministro de Hidrocarbonetos e Energia da Bolívia, afirma ter caído por pressões da Petrobras?

R - Não. Ao contrário, ao contrário. O camarada Soliz tem uma posição anti-Brasil em qualquer circunstância, por razões político ideológicas na Bolívia e não contra a Petrobras.

Ele tem uma posição clara de que a relação Brasil - Bolívia é uma relação subimperialista, por razões ideológicas, não é fortuita. É consolidada, legítima. Historicamente a Bolívia tem uma experiência de expropriação muito grande, foi expropriada pelos espanhóis em um primeiro momento, quando construíram a Argentina e excluíram a Bolívia.

Tem uma diferença histórica de expropriação por perder o acesso ao mar na guerra com o Chile. Tem uma experiência histórica de conflito com o Peru por expropriação de áreas. Tem uma experiência dolorosa, mesmo que negociada, quando perdeu o Acre para o Brasil. É um dos países em que a população indígena dominante foi oprimida internamente por longo período.

A Petrobras é parte muito recente dessa história. O conflito que tivemos foi muito mais midiático, verbal, do que efetivo, no caso das refinarias. Na realidade, a Bolívia adquiriu as nossas refinarias pelo valor justo. A Bolívia em momento algum questionou e alterou as relações de contrato de venda do gás para o Brasil. Mas alterou, sim, legitimamente as condições de rentabilidade da atividade exploratória dentro da Bolívia.

A Petrobras é hoje um dos maiores investidores na Bolívia.

O presidente Evo Morales tem uma legitimidade muito grande. Evidentemente vai buscar melhorar sua participação na distribuição da renda.

Agora eu não vou aceitar que o Brasil e a Petrobras são subimperialistas na Bolívia. Somos grandes, sim. Não dá para negar isso. Mas ser subimperialista significa ter uma relação de exploração, e nós somos grandes investidores na Bolívia, somos o principal importador da Bolívia, viabilizamos a maior parte das receitas fiscais da Bolívia.

- Lúcia Rodrigues - Eu queria retomar a questão dos ataques à Companhia, e que o senhor deixasse explícito quem são os atores que estão interessados em desgastar a Petrobras.

R - Eu não vou dizer.

- Lúcia Rodrigues - Vou dar um empurrãozinho. O senhor diz reiteradas vezes que as áreas do pré-sal são bilhetes premiados. Recentemente a mídia divulgou que a Exxon (petroleira norteamericana) encontrou um poço seco (sem petróleo), para justificar que o bilhete premiado não é tão premiado assim. Que interesses estão por trás disso?

R - A atividade exploratória envolve estudos de sísmica, avaliação de modelos, perfuração de poços. Ter um poço seco é absolutamente normal.

Nós tivemos sucesso em todos os nossos poços. Mas não é esse o motivo que nos faz dizer que o risco exploratório é mínimo. Os volumes potenciais são gigantescos, mas não quer dizer que não haverá poços secos.

O que está evidenciado é que na área do pré-sal brasileiro há enormes potenciais comprovados pela sísmica. Ninguém questiona isso, os técnicos não questionam. O que existe é uma disputa política, clara, sobre a necessidade ou não de modificar o marco regulatório brasileiro.

- Lúcia Rodrigues - Como o senhor vê a redação do texto do novo marco regulatório proposto pelo governo, que retira os leilões da ANP [Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis) e cria uma nova estatal para administrar o pré-sal?

R - Eu não vou falar sobre isso, ainda não está público. Não vou comentar sobre hipóteses.

- Lúcia Rodrigues - Mas o pré-sal continua com a Petrobras?

R - Depende do que você define por continuar com a Petrobras. Continuar só com a Petrobras, não sei se será possível. Da área mapeada do pré-sal, 38% já estão em concessão para as empresas. Dessa área concedida, a Petrobras tem 60%. Os outros 62% não estão concedidos ainda. Eu acho que nesses 62% a Petrobras tem papel fundamental, mas sozinha será um pouco mais difícil.

- Tatiana Merlino - O que pode ser feito para garantir que essa riqueza seja utilizada em benefício do povo brasileiro?

R - O marco regulatório tem de definir os destinos para os benefícios que o Estado brasileiro terá.

- Hamilton Octavio de Souza - Como está esse processo?

R - Está em discussão e não posso entrar em detalhes.

- Marcelo Salles - Os petroleiros e os movimentos sociais defendem o restabelecimento do monopólio estatal do petróleo. O presidente da Petrobras é um entusiasta da volta do monopólio?

R - A Petrobras sobrevive sem monopólio. O problema principal não está no monopólio, mas em garantir a presença da Petrobras sob o controle do povo brasileiro. O governo deve manter o controle sobre a Petrobras. Eu sou contra a privatização da Petrobras.

Mas não necessariamente a Petrobras precisa ter o monopólio. Porque o volume de recursos que serão necessários exige que a Petrobras seja exposta à competição. Ela precisa ser pressionada. Eu confio na Petrobras desde que seja controlada pelo Estado.

- Hamilton Octavio de Souza - Qual a sua opinião sobre a CPI?

R - A CPI é um instrumento legítimo. Mas uma CPI ampla, sem clareza do fato que quer investigar é a nosso ver inadequada. Mas somos estritos cumpridores da lei e vamos dar o máximo de colaboração porque a Petrobras tem todas as condições de responder às questões colocadas.

A Operação Águas Profundas envolve a empresa Angraporto. A Petrobras colabora com a Polícia Federal e com o Ministério Público desde o início da investigação, já demitiu três gerentes, suspendeu dois gerentes envolvidos nisso. Está no âmbito da Polícia Federal e do Ministério Público, a CPI não vai contribuir para o aprofundamento dessas questões.

O tema P 52 e P 54 (plataformas) que se refere a variações cambiais e ajuste de preços em função da variação cambial que ocorreu no Brasil em 2004, 2005. É um tema que está em discussão no TCU (Tribunal de Contas da União). É uma discussão técnica entre a Petrobras e o TCU.

Em relação à Refinaria do Nordeste temos uma diferença clara, técnica, sobre como medir o custo unitário de refinaria versus custo de estradas. Não dá para transferir o cálculo para se fazer uma estrada, para o da construção de uma refinaria. Além disso, em obras desse tipo sempre há situações inesperadas: lençóis de água não identificados, tipo de solo expansivo. É preciso fazer ajustes tecnológicos, para uma obra de terraplenagem em uma refinaria. O âmbito mais adequado para se fazer uma análise desse tipo não é em uma CPI.

O outro tema é o dos patrocínios. A Petrobras tem orgulho de ter realizado patrocínios. É importante ter responsabilidade social. Avançou na transparência e na escolha pública dos patrocinados. Avançou na definição de metas de público fim e não dos intermediários para viabilizar os seus programas. Portanto, se quiserem analisar isso, vamos analisar. Agora, precisa CPI para isso? Tenho dúvidas. O critério tributário, regime de caixa ou de competência é uma discussão absolutamente técnica, que se tiver problema será entre a Petrobras e a Receita Federal. Até hoje nós não tivemos problemas com a Receita Federal. A Receita nunca nos intimou nem multou. No entanto, a imprensa vive dizendo que nós fomos multados, que nos intimou e que isso foi o motivo de demissão da secretaria da Receita Federal. E nada disso é verdade. O Globo publica uma matéria que é uma barriga (errada). A manchete diz: "Multa da Petrobras derruba secretaria." E a multa é falsa, não existe a multa. É tão incrível que o texto da matéria não se refere à multa, porque sabe que não houve a multa. Eu acho que a CPI é legítima, vamos colaborar. Eu vou depor na CPI no momento que for marcada minha ida, não tenho nenhum problema de explicar as questões, mas acho que não tem motivos para ter uma CPI.

- Lúcia Rodrigues - Que interesses estão por trás dessa CPI?

R - A CPI é um instrumento da oposição. Politicamente a CPI sempre foi instrumento legítimo das oposições parlamentares, para chamar a atenção da opinião pública para determinados temas. Espero que essa CPI, além disso, traga contribuições.

Dependendo da irresponsabilidade do conjunto das denúncias pode afetar a reputação da Companhia e de pessoas, que é difícil reconstruir. Isso tem impacto sobre a Companhia. E evidentemente pode enfraquecer a Petrobras. O grau de enfraquecimento é impossível de ser previsto antecipadamente.

- Lúcia Rodrigues - O senhor considera que o capital privado, inclusive, internacional está por trás da instalação da CPI?

R - Eu não tenho uma visão paranóica da história. Os movimentos estruturais são importantes para entender as grandes tendências da história, mas as ações conjunturais dependem das pessoas e de subgrupos, das classes. Para explicar as conjunturas é melhor O 18 Brumário, de Marx, do que O Capital.

Dificilmente conseguiremos identificar claramente os interesses de classes versus a ação política. Porque tem mistura de interesses de grupos. Sucessão presidencial é um elemento, a dificuldade eleitoral dos senadores é outro elemento, a crise da imprensa, a crise econômica, o pré-sal são outros componentes, os elementos ideológicos frente à crise recente compõem outro conjunto de vetores, a popularidade do presidente Lula e a falta de discurso da oposição para atacá-lo. Tudo isso cria o caldo de cultura para a instalação da CPI.

- Hamilton Octavio de Souza - Qual será a estratégia adotada para enfrentar a CPI?

R - Montamos um conjunto de ações que tenta isolar dentro da Companhia a atividade normal que tem de continuar. Colocamos alguns quadros da empresa para tratar a questão da CPI. Nossa política é a da máxima transparência, maior colaboração possível com o âmbito da CPI. E uma permanente resposta aos questionamentos que apareçam. Para isso criamos um blog.

- Tatiana Merlino - Que foi alvo de muitas críticas.

R - Foi alvo de muitas críticas. Não se pode quebrar o monopólio da construção da relação entre o formador da opinião pública e a opinião pública. Como nós quebramos isso, criou um deus nos acuda. Nossa posição é responder a todas as questões com o máximo de transparência possível.Nos últimos 45 dias respondemos 1.150 perguntas.

- Tatiana Merlino - Por que o ataque à Petrobras e não a uma empresa privada? R - Porque ela é grande. Não tem nenhuma empresa que tenha o simbolismo da Petrobras no Brasil. Não tem nada similar. Lembre que há alguns anos a Petrobras era petrossauro, um paquiderme, uma empresa ineficiente, que vivia cheia de marajás.

- Lúcia Rodrigues - E que quase virou Petrobrax.

R - E que quase virou Petrobrax...

- Tatiana Merlino - Esses setores que a atacam defendem a privatização da Petrobras?

R - Você não vai botar isso na minha boca, porque eu não vou dizer. Se fosse só isso, era fácil. A coisa é mais complexa do que isso, sinceramente. Seria muito fácil se identificássemos os inimigos da Petrobras, como aqueles que querem a sua privatização. Não é assim. Se fosse assim era fácil. Eu acho que tem gente que defende a Petrobras e é a favor da privatização. Não acho que seja tão preto e branco.

- Hamilton Octavio de Souza - A Petrobras acabou recuando na questão do blogue.

R - Não. Antes, nós dávamos a entrevista para o veículo e colocávamos no ar. Agora, publicamos à meia noite do dia em que a entrevista sairá. Nos veículos online colocamos no ar imediatamente quando é postado.

- Lúcia Rodrigues - Recentemente O Globo publicou uma manchete que parecia de 45 anos atrás, no governo do João Goulart. Acusou a direção da Petrobras de aparelhamento e de ter transformado a Companhia em uma república sindicalista. Como o senhor vê esse tipo de critica?

R - É o caldo ideológico que estamos vivendo. A crítica a uma república sindicalista tem três dimensões ideológicas.

Primeiro, significa que por ser sindicalista é desqualificado. É uma posição ideológica contra a ação sindical que é uma representação legítima da luta econômica dos trabalhadores. Uma posição contra os trabalhadores, do ponto de vista ideológico.

Segundo, essa mesma manchete significa outra coisa do ponto de vista ideológico. Precisa ser desconstruída. Afirma que há um aparelhamento da Petrobras. Escolhe 22 dirigentes entre 4.900 dirigentes, para tentar dizer que a Petrobras é um aparelho e não para tentar verificar se a Petrobras está de fato escolhendo seus dirigentes em função da ideologia.

A terceira dimensão é ainda mais abjeta do ponto de vista ideológico: sindicalista é incompetente. É uma manchete preconceituosa, ideológica, claramente comprometida. Como você bem mencionou, tem raízes na velha direita brasileira .

- Lúcia Rodrigues - O senhor disse no início de nossa entrevista que conquistou a confiança dos petroleiros. Mas a FUP (Federação Única dos Petroleiros) tem algumas críticas.

R - Muito justas. Se não tivessem, seriam pelegos.

- Lúcia Rodrigues - Eles querem que a política de primeirização (contratação por meio de concurso público) da Companhia avance mais. A outra critica é sobre as punições da greve de março, que além de advertências e suspensões gerou também o desimplante (remoção) de trabalhadores do local de trabalho.

R - É uma situação difícil. Eu tenho conversado muito com os companheiros da FUP.
A política da Petrobras nas relações de trabalho é manter permanentemente um diálogo aberto. Isso depois de 2003, porque antes nem sempre havia o diálogo aberto. Nossa política é intransigentemente de manter sempre o diálogo aberto, com as representações sindicais dos trabalhadores, de respeitar a autonomia sindical. Manter sempre uma possibilidade de negociação é melhor do que o confronto. Mas não podemos desconhecer que há uma relação capital-trabalho dentro da Petrobras.

- Lúcia Rodrigues - Não é porque o Lula chegou ao poder ...

R - Que acabou a relação capital-trabalho. Quem está na gestão tem de cuidar da disciplina do trabalho, tem de cuidar da produtividade, da eficiência.

Evidentemente que pode fazer isso de várias maneiras. Eu acho que deve se manter a contínua negociação. Agora, em certos momentos, quem está na gestão vai ter posições contraditórias com quem está na operação, ainda mais com quem está na direção sindical. Porque esses têm de defender prioritariamente os interesses dos trabalhadores da Petrobras.

A função do dirigente sindical é autonomamente, em relação aos dirigentes da Petrobras, defender energicamente os interesses dos trabalhadores. Mesmo que chegue a limites de indisciplina.

- Lúcia Rodrigues - Mas por que a punição?

R - Porque chegou ao limite da indisciplina.

- Lúcia Rodrigues - Que tipo de indisciplina, a greve?

R - Ninguém foi punido por fazer greve.

- Lúcia Rodrigues - Os petroleiros dizem que sim.

R - Todos que foram punidos, foram punidos porque tiveram excessos. Excessos do tipo: começar a greve, antes de a greve começar, ocupar a operação em áreas perigosas, impedir a ação de dirigentes da Companhia nas áreas da empresa.

Evidentemente que eles têm todo o direito de ir para a Justiça. Têm todo direito. Mas a Petrobras e seus dirigentes não podem abrir mão da disciplina interna. É um problema de indisciplina. Nos cinco dias de greve nós tivemos uma posição de confronto, porque o sindicato legitimamente queria parar a produção.

- Lúcia Rodrigues - Greve tem de parar a produção.

R - Nós tínhamos que impedir a parada da produção. Então fomos para o confronto direto. Porque nós tínhamos um compromisso não só com os trabalhadores, mas um compromisso com o povo brasileiro, com o consumidor da Petrobras. Nós temos que fornecer o produto. Então é um momento de tensão. Não podemos usar esse momento de tensão para prejudicar a tendência de longo prazo de manter permanente diálogo para a negociação.

- Lúcia Rodrigues - E em relação à questão da terceirização?

R - Há alguns setores que a nosso ver vão ser terceirizados, sempre: construção dentro de refinarias, algumas áreas de suporte que são eventuais vão ser terceirizadas, sempre.

O que não podemos admitir no caso da terceirização é que haja um subtrabalhador, como terceirizado. Nós temos que dar aos terceirizados as mesmas condições de segurança, de benefícios. Nós estamos acelerando a primeirização. Nós admitimos no ano passado 23 mil pessoas. Hoje, 40% da força de trabalho da Petrobras têm menos de oito anos na Companhia. E 60% tem mais de 18 anos.

- Lúcia Rodrigues - Mas isso foi para preencher os claros existentes ou foi porque a Companhia cresceu?

R - As duas coisas. Mas ninguém admite 40% da força de trabalho, em sete anos, se não for para crescer. Os números mostram isso. Evidentemente que a Petrobras não vai fazer a primeirização no ritmo que se quer. Não pode de imediato fazer um concurso para cem mil pessoas ou noventa mil pessoas, como se diz que há de terceirizados. Não pode crescer eternamente. Não pode fazer um concurso para substituir imediatamente, porque ela esgota e mata o mercado de trabalho em um primeiro momento. Tem de fazer isso ao longo do tempo.

- Lúcia Rodrigues - A Petrobras ainda trabalha com o conceito de atividade fim e atividade meio.

R - Sim.

- Lúcia Rodrigues - E por que não atividade permanente?

R - Porque não é uma questão de atividade permanente.

- Lúcia Rodrigues - Mas os petroleiros afirmam que é.

R - Eu sei que eles colocam isso. Essa é a visão do movimento sindical, é legitimo.

- Lúcia Rodrigues - Se a função existe dentro da Companhia porque não primeirizar?

R - Porque aquela atividade não é uma atividade nossa e aquela atividade pode terminar.

- Lúcia Rodrigues - Mas a atividade de manutenção de dutos, por exemplo.

R - A atividade de manutenção de dutos pode ser mudada de um lugar para o outro. Não há a necessidade de se ficar com a mesma equipe.

- Lúcia Rodrigues - Existem operadores terceirizados nas plataformas.

R - Não. Operadores na Petrobras, não. Você tem embarcados (trabalhadores) de empresas que fazem trabalhos para a Petrobras.

- Lúcia Rodrigues - Mas esses funcionários terceirizados não têm o mesmo grau de treinamento e qualificação que os trabalhadores da Petrobras.

R - Às vezes têm mais.

- Lúcia Rodrigues - Isso não pode comprometer, inclusive, a segurança da própria plataforma, da refinaria e seu entorno?

R - Com certeza, se tiver a prática da terceirização como redução de custos. A terceirização não pode ser vista como uma redução de custos. Tem de ser vista pela eficiência.

- Lúcia Rodrigues - Mas por que um funcionário terceirizado trabalha 14 dias embarcado na plataforma e fica 14 dias em terra e o da Petrobras trabalha os mesmos 14 e permanece 21 dias em solo?

R - Os trabalhadores da Petrobras conquistaram os 14 por 21. Mas na prática mundial são 14 por 14.

- Hamilton Octavio de Souza - O que o cidadão brasileiro pode esperar da Petrobras?

R - Uma Companhia que será uma das maiores empresas do mundo, comprometida com o Brasil e com o desenvolvimento do povo brasileiro.


Entrevista original: Revista Caros Amigos

extraída do Blog da Nanda Tardin - Juntos Somos Fortes