quarta-feira, 14 de julho de 2010

SE FOSSE NA TV BRASIL...


Publicada em:14/07/2010



O comportamento da imprensa brasileira é sempre curioso, para dizer o mínimo, quando trata de fatos que envolvem o atual governo e os que dizem respeito à oposição. Em relação aos primeiros, há um rigor absoluto e até excessos, e sobre os outros uma falta de interesse e até omissão.


Agora mesmo, está em questão o afastamento ou demissões - a história ainda não está totalmente clara -, dos jornalistas Heródoto Barbeiro e Gabriel Priolli da TV Cultura, de São Paulo. Heródoto foi afastado do comando do programa Roda Viva, o mais conhecido da emissora, e Priolli deixou a direção de jornalismo cinco dias depois de assumi-la.


O elemento comum entre os dois foi o preço dos pedágios das rodovias paulistas, um dos temas mais incômodos à candidatura de José Serra à presidência da República. Em entrevista com o candidato tucano no Roda Viva, Heródoto perguntou sobre o preço dos pedágios nas estradas paulistas, e Serra rebateu o apresentador dizendo que ele estava repetindo um “trololó petista”. O jornalista tentou argumentar com sua própria experiência, mas o tucano não recebeu bem a pergunta e tratou de desqualificá-la.


A entrevista foi ao ar no dia 21 de junho e duas semanas depois Marília Gabriela foi apresentada como a nova apresentadora do Roda Viva. Nenhum órgão de comunicação levantou qualquer ilação entre os fatos. A TV Cultura, que é controlada pela Fundação Padre Anchieta, mantida pelo governo de São Paulo, sequer foi procurada para se manifestar sobre a questão.


Alguém poderia alegar que a apuração não se justificava pelo fato de a imprensa não trabalhar com teorias conspiratórias, mas o caso envolvia evidências que mereciam ao menos uma investigação. Serra se indispusera com o jornalista, afastado pouco depois do cargo que exercia desde fevereiro de 2009, numa emissora do estado governado pelos tucanos e pelo próprio Serra até recentemente, e que tem na presidência da fundação que a mantém um ex-secretário e amigo pessoal de Serra, João Sayad.


Quando um jornalista, Luiz Lobo, saiu da EBC acusando um controle por parte do governo federal sobre a TV Brasil, toda a mídia, acertadamente, cobriu. Afinal, era preciso verificar se sua acusação tinha consistência e se havia interferência política na TV pública. O mesmo interesse jornalístico não se verificou agora e também não me recordo de matérias do julgamento do caso pelo Conselho Curador da TV pública, que considerou o jornalismo da emissora politicamente isento.


O cochilo da imprensa poderia ter sido corrigido na semana passada, quando outro jornalista experiente e bem conceituado no mercado, Gabriel Priolli, foi afastado da direção de jornalismo da TV Cultura por estar preparando uma matéria sobre os pedágios da rodovias paulistas, motivo de queixas constantes dos seus usuários.


Priolli vinha conduzindo a reportagem dentro dos preceitos do bom jornalismo e já tinha gravado entrevistas com Geraldo Alckmin, candidato tucano ao governo do Estado, e Aloizio Mercadante, seu adversário nas próximas eleições, Também tinha tentado ouvir a Secretaria Estadual de Transportes, que, estranhamente, não quis se manifestar nem por meio de nota oficial.


A matéria ainda estava sendo editada, quando Priolli foi chamado à sala de Fernando Vieira de Mello, diretor de conteúdo da emissora, que derrubou a reportagem por considerá-la delicada. No dia seguinte, Priolli foi afastado do cargo que acabara de assumir. Sites e blogs trataram do assunto, diante da indiferença da grande imprensa, e João Sayad foi obrigado a se manifestar. O presidente da Fundação Padre Anchieta negou motivação política no afastamento de Priolli e considerou “equivocada” sua escolha para a direção de jornalismo.


Não se sabe o conhecimento que Sayad tem do jornalismo para fazer tal afirmação, já que Priolli tem uma longa estrada na profissão, com passagem por vários dos principais veículos de comunicação do país, além de ser professor universitário. Suas qualidades profissionais jamais foram colocadas em dúvida. A escolha equivocada nesse caso talvez tenha sido política. Priolli quis fazer jornalismo, mas pode ser que na TV Cultura essa intenção esteja limitada. Taí um bom caso para a imprensa se envolver, mas até agora nem as associações tão zelosas quanto à liberdade de expressão se manifestaram.




extraído do Direto da Redação