sexta-feira, 9 de julho de 2010

ISRAEL, PALESTINA, DEPOIS DA FLOTILHA DA PAZ (2/2) - Barreiras para a Paz

(Esta é a conclusão do artigo - Parte 1/2: Há mudança no ar)


9/7/2010,
Jack A Smith, Asia Times Online – Traduzido por Caia Fittipaldi

Jack A Smith é editor de Activist Newsletter e ex-editor de Guardian Radical Newsweekly.

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A ocupação por Israel e o governo israelense de direita que não quer negociar são dois grandes problemas que os palestinos enfrentam. Mas há dois outros grandes problemas.

O primeiro é a falta de unidade entre a Autoridade Nacional Palestina e o Fatah, ambos movimentos seculares, na Cisjordânia; e o Hamás islâmico, em Gaza. Os dois lados estão tão separados politicamente quanto geograficamente – evidência que Jerusalém e Washington vivem de explorar. O segundo problema é que, por mais que, em termos gerais, apóiem os palestinos, os países árabes entre eles estão divididos e são relativamente fracos, com vários deles incluídos na esfera de influência de Washington.

Israel e os EUA não reconhecem e não negociam com os líderes do Hamás, sequer com Ismail Haniyeh, escolhido primeiro-ministro depois das eleições democráticas de janeiro de 2006 para o Conselho Legislativo da Autoridade Nacional Palestina – antes daquela eleição controlado pelo Fatah. Naquelas eleições, o Hamas obteve 74 assentos com direito a voto no Conselho, contra 45 do Fatah, de um total de 132 membros eleitos. Quatro outros partidos conquistaram os assentos restantes.


Imediatamente o governo de George W Bush associou-se ao governo israelense em campanha para desacreditar o processo eleitoral que, para o ex-presidente Jimmy Carter e outros membros do grupo que fiscalizou as eleições, foi processo absolutamente limpo e perfeito. EUA e Israel, a partir de então, passaram a dedicar-se a derrubar o governo do Hamás, contra o qual Israel declarou-se (e assim permanece até hoje) em guerra.


No ano seguinte, conseqüência de virtual guerra civil entre o Fatah e o Hamas, o presidente Mahmoud Abbas da ANP – ex-líder do Fatah e presidente também da OLP – destituiu Haniyeh do cargo de primeiro-ministro. (Há anos, a OLP é reconhecida internacionalmente e por Israel, como “única representante legítima do povo palestino”.)

O líder do Hamás declarou ilegal a destituição e continuou a operar como primeiro-ministro só em Gaza, legalmente apoiado pelo Conselho Legislativo. Abbas, que recentemente anunciou que não planeja candidatar-se à reeleição nas eleições de janeiro próximo por não ver progresso nas negociações de paz, nomeou Salam Fayyad para o cargo de primeiro-ministro. Fayyad, assim, é primeiro-ministro na Cisjordânia, sem ter sido aprovado pelo Conselho Legislativo e, consequentemente, sem qualquer autoridade legal. É considerado simpático aos EUA, onde viveu e estudou (é PhD em economia, pela Universidade do Texas, em Austin, considerado economista competentíssimo.)

Ao longo dos anos, Israel meteu na prisão dúzias de deputados eleitos pelo Hamás, a maioria deles sem qualquer acusação formalizada. Pelo menos dez deputados eleitos pelo Hamás continuam presos em prisões israelenses. Segundo pesquisa divulgada dia 20/6, de pesquisador palestino, há hoje 7.300 palestinos em cerca de 20 prisões israelenses, dentre os quais 17 deputados, dois ex-ministros e cerca de 300 crianças.


Os EUA e Israel só negociam com Abbas, Fayyad e o governo da ANP. Sabem, é claro, que seus parceiros palestinos estão mais fracos hoje, se se considera o apoio popular de que gozava a ANP liderada pelo legendário Yasser Arafat até sua morte, há seis anos. Abbas, também por estar politicamente enfraquecido, tende sempre a fazer concessões a Israel e aos EUA.


As causas da divisão entre os dois lados da política palestina são complexas. Não se deve esquecer que, inicialmente, Israel estimulou o crescimento do Hamás, como alternativa ao Fatah secular e de esquerda liderada por Arafat. Hoje, o Fatah perdeu parte do apoio que tinha dos eleitores palestinos, e por várias razões, dentre as quais as contradições internas, rivalidades locais e a sempre referida corrupção interna. O Hamás, por sua vez, construiu extenso programa de bem-estar social e discurso eficiente de combate à corrupção e ao favoritismo. Esses dois fatores explicam o aumento do apoio popular de que hoje goza.

Para grande frustração de Israel, o Hamás revelou-se tão dedicado quanto o Fatah e a OLP à luta nacional palestina. E, diferente nisso da OLP, o Hamas não reconhece o Estado de Israel (ao qual se refere como “entidade sionista”) –, mas já declarou que essa posição pode ser negociada, em acordo equilibrado e mais amplo que se venha a construir. O Fatah tampouco reconhece Israel. De fato, pouco importa que um ou outro partido político não reconheça um Estado internacionalmente reconhecido. Reconhecer Estados é questão que se decide entre Estados, não entre partidos políticos. E deve-se esperar que qualquer Estado palestino que se venha a constituir e queira ser reconhecido terá de reconhecer Israel.

Atualmente, os dois grandes partidos políticos palestinos permanecem em campos opostos, por mais que concordem em vários pontos. Têm-se ouvido notícias, nos últimos meses, de que os dois lados estudam condições para uma reconciliação. Abbas disse que estaria disposto a enviar uma delegação do Fatah a Gaza para conversações; até agora o Hamás não aceitou a oferta. E também a Liga Árabe tem pressionado os dois lados para que trabalhem em direção à unidade.

Parece claro é algum tipo de unificação entre o Fatah e o Hamas, no contexto da ANP e da OLP, é indispensável para que o povo palestino alcance seus objetivos. A necessidade, mais dia menos dia, talvez empurre os dois lados na direção de trabalho cooperativo, sobretudo no caso de se iniciarem negociações sérias, que comecem a tornar possível a criação de um Estado palestino independente.


O segundo grande problema que os palestinos enfrentam é a falta de união dos países árabes e a inexistência de qualquer objetivo comum entre eles. Israel sempre trabalhou muito para dividir os palestinos. E os EUA sempre trabalharam muito para dividir os países árabes – ou, no mínimo, para atraí-los à esfera de superpoder de Washington, processo que, até aqui, parece bem-sucedido.


Um dos objetivos centrais da estratégia de Washington é, como sempre foi, garantir, para os EUA, o controle do Oriente Médio. Hoje, pelo que se pode ver, os EUA trabalham para reduzir a questão Israel-palestinos a proporções controláveis, para salvar Israel e manter Israel onde está – como sentinela avançada dos EUA no extremo leste do Mediterrâneo, junto ao Golfo Persa, a caminho do petróleo que avança para leste, e do norte da África, com o canal de Suez a oeste.

As relações entre os Estados árabes é questão extensa demais para esse ensaio generalista, mas é preciso registrar aqui alguns traços das relações que há entre alguns países árabes chaves e o conflito Israel-palestinos – conflito que se arrasta por mais de 60 anos.


Todos os países árabes apóiam os palestinos: uns só retoricamente; outros também materialmente. Mas bem poucos, hoje – vinte anos depois do colapso do primeiro projeto socialista global que apoiava as aspirações dos palestinos – estão dispostos a abraçar os riscos políticos de lutar por um projeto nacional palestino, dados os altos riscos de incorrer na Ira de Washington, em mundo ainda unipolar.


Só dois países árabes mantêm relações diplomáticas com Israel – o Egito e a Jordânia – e ambos têm fronteiras com os territórios palestinos. Na maioria dos casos, as relações entre os demais países árabes e Israel são mais distantes, mas já não são de antagonismo.

Pode ser interessante observar que os EUA garantem subsídios anuais aos dois países árabes que reconhecem Israel. Para o Egito, esse ano, de 1,3 bilhão de dólares; para a pequena Jordânia, 540 milhões de dólares.

O Egito é o mais poderoso dos países árabes, com população de mais de 80 milhões de habitantes, e ainda muito influente na Região. Mas longe vão os dias em que o governo do Cairo aspirava a liderar as nações árabes sob a bandeira da luta anticolonial e panarabista, tudo isso arrastado pelos ventos do deserto, junto com o exército egípcio, que foi importante, mas já não é.


Cairo hoje está bem firmemente aderida à órbita de Washington – e, por extensão, à órbita de influência de Israel. O regime do presidente Hosni Mubarak opõe-se furiosamente ao Hamás, por causa das íntimas relações que ligam o Hamás e o principal agente da oposição interna, inimiga do governo de Mubarak – a Fraternidade Muçulmana. Sem o Egito, praticamente não haveria hoje o bloqueio de Gaza.


Depois do fiasco de Israel no ataque, com mortes, à Flotilha da Paz, o Egito foi obrigado a abrir a Passagem de Rafah, alguns instantes antes de Israel anunciar que removeria alguns dos pontos de controle de fronteira, como parte de um movimento inicial para reduzir o bloqueio de Gaza. Esses pontos de controle de fronteira, como a Passagem de Rafah, são as únicas vias que há para entrar e sair de Gaza. E o acesso por mar continua fechado, policiado pela marinha israelense.


Mubarak chegou aos 82 anos de idade e 29 de governo sob contínuo estado de emergência, que lhe assegura poderes excepcionais e reeleição repetida, sem adversários. A próxima eleição está marcada para 2011, e Mubarak ainda não se declarou candidato. Mohamed ElBaradei, o qual, ano passado, aposentou-se do cargo de presidente da Agência Internacional de Energia Atômica, é candidato possível. Não é candidato preferido nem de Washington nem de Jerusalém – que gostariam que a IAEA tivesse sido muito mais dura contra o Irã. Há boatos de que Mubarak estaria trabalhando para eleger o filho, Gamal. Nada sugere que as eleições no Egito alterem alguma coisa nas relações com Israel, mas, isso, não se pode prever.


A Jordânia, com sua grande população de palestinos, está no bolso de Tio Sam, porque é pequena, fraca e sem saber como se decidir entre o Fatah e o Hamás. A família haxemita reinante cruzou espadas dramaticamente com a OLP, ao atacar grupos palestinos militantes em setembro de 1970 (para os palestinos, o “Setembro Negro”). Em julho de 1971, as várias organizações reunidas sob a bandeira da OLP foram expulsas da Jordânia e muitos militantes encontraram refúgio no Líbano, onde foram outra vez atacados quando Israel invadiu o país em 1982.

É possível que o rei Abdula da Jordânia tema que, tanto um Estado palestino vizinho secular democrático quanto um Estado palestino vizinho islâmico ataquem, com igual probabilidade, sua monarquia. O rei Abdula trabalhou com o presidente Obama dos EUA, para desenvolver o conceito de Estado palestino sem forças armadas.

O reino da Arábia Saudita tem recebido proteção dos EUA desde o final da II Guerra Mundial, em troca da garantia de livre acesso ao petróleo, o que garante a sobrevivência da família real e sua forma especial de Islã sunita, o Wahhabismo. O governo saudita ajudou financeiramente os palestinos e apóia várias das posições políticas da OLP, mas a íntima associação com Washington faz dele aliado pouco confiável. Os sauditas não mantêm relações diplomáticas formais com Israel, mas suas relações são de amistosa cooperação. Um Estado palestino independente e moderno, seja sob liderança do Fatah, seja sobre governo islâmico, de sunitas de outro tipo, sempre será problema para a Casa de Saud e limita o apoio que os palestinos podem esperar da Jordânia.

Os Estados árabes do Golfo, ricos em petróleo, entre os quais se inclui agora também o Iraque pós-Ba'athista (o qual, antes da invasão de 2003 pelos EUA, era forte defensor dos objetivos palestinos), todos, dão hoje uma banana à causa palestina, porque já se renderam ao poder global de Washington.


A Síria é empenhada defensora dos palestinos que apóia de vários modos e mantém relações cordiais com o Fatah e com o Hamás, mas não tem meios para enfrentar a supremacia militar regional de Israel e a exigente presença dos EUA, e é obrigada a manter-se em posição relativamente obscura. O principal interesse do presidente Bashar al-Assad é negociar um tratado de paz com Israel que leve os israelenses a devolver à Síria as colinas do Golan e preserve a influência histórica da Síria no Líbano. O presidente opôs-se fortemente à invasão israelense ao Líbano em 2006 e expressou admiração à resistência liderada pelo Hezbollah, organização popular xiita apoiada pelo Irã.

O Líbano, pequeno e sofisticado, foi inúmeras vezes cenário de guerra para os israelenses, o suficiente para sempre atrair a ira de Israel. Alguns analistas entendem que Israel encontrará algum pretexto para nova invasão ao Líbano, exclusivamente para novamente tentar destroçar o Hezbollah, força de defesa não-estatal de muçulmanos xiitas que conseguiu resistir aos israelenses e os obrigou a retroceder em 2006. Os militaristas israelenses não admitem a derrota ante o Hezbollah e, para muitos, continuarão a tentar estabelecer pleno controle sobre o Líbano. O ataque de Israel ao Líbano custou a vida de 1.183 civis libaneses; cerca de 4.000 feridos; e mais de 30 mil famílias perderam as casas, total ou parcialmente destruídas. Durante o mês de guerra, o Hezbollah lançou milhares de foguetes não orientados, a maioria dos quais sem qualquer efeito, embora assustadores, contra Israel, matando 36 civis. Não se conhece o número de baixas do Hezbollah. E Israel perdeu 118 soldados.

Os demais países árabes, incluindo Estados que foram radicais, como a Líbia, continuam a apoiar as ambições palestinas e votam nessa direção nas assembléias da Liga Árabe, mesmo que pouco façam, além disso, para promover a causa palestina.

Assim se chega aos dois coringas que ainda jogam na Região – nenhum dos quais é árabe – e que têm potencial para complicar muito o jogo EUA-Israel no Oriente Médio.

Um desses coringas é a Turquia, militarmente forte, vastamente ocidentalizada, república democrática secular de cerca de 78 milhões de habitantes, a maioria dos quais são muçulmanos sunitas.


O outro coringa é o Irã, república islâmica já muito modernizada, de mais de 67 milhões de habitantes, a maioria dos quais são muçulmanos xiitas.

Nos dois casos, são sociedades maduras cujo passado histórico guarda a experiência de terem controlado impérios – respectivamente, o império otomano e o império persa. Os dois países são estrategicamente situados: a Turquia, entre a Europa e a Ásia; o Irã, entre a Ásia Central e o Oriente Médio.


O artigo original, em inglês, pode ser lido em: ISRAEL, PALESTINE AFTER THE FLOTILLA - Barriers to peace

Comentário da Vila Vudu:

Esse artigo é uma ES-PE-TA-CU-LAR exposição de FATOS.

Demo-nos o trabalho de traduzir tudo isso, porque não encontramos melhor meio para MOSTRAR que, em matéria de dar a conhecer FATOS, TODO o “jornalismo” que se faz no Brasil é ZERO.

Quem pensar que, por só expor fatos “sobre” a Palestina e o Oriente Médio, esse artigo não nos interessaria, pare já, antes que esse tipo de pensamento desnorteie TODA a reflexão sobre TUDO.

Acho que a maior tragédia que desgraça o jornalismo que desgraça o Brasil-2010 é, precisamente, o fato de que o jornalismo que temos ensina o Brasil a crer que o jornalismo que temos seria jornalismo e que, por ser jornalismo, ou por ser trabalho de jornalistas, deveria ser defendido. NÃO É JORNALISMO. E, portanto, não pode ser defendido como se fosse jornalismo. Quanto a ser trabalho de jornalistas, ora bolas! Em país em que D.Danuza ganha a vida como jornalista, TODOS os jornalistas devem ser considerados suspeitos.

Em campanha eleitoral entregue a jornalistas... Deve-se temer muito, sempre. (Alguns de nós têm perdido o sono, pensando nisso.)